9:22O jogo de malha

por Claudio Henrique de Castro

Numa manhã da década de 80, certo aluno levou seu jogo de malha para brincar no recreio das aulas no Colégio Estadual do Paraná. Dois discos relativamente pesados, do tamanho de uma palma da mão, e duas pequenas estruturas retangulares de madeira.

No intervalo foi um sucesso. Centenas de alunos foram assistir o jogo ao lado da pista de corrida. Feitas as duplas, os discos voavam de um lado para o outro, tentando derrubar o peso de madeira ou adentrar no pequeno círculo riscado na pista.

Logo chegou o Professor de Educação Física, que também queria jogar – e jogou … e perdeu. Festa geral dos alunos, risos, gozações e mais jogo de malha.

Dias depois, veio a ordem da Direção: estava proibido o jogo de malha pois alguém poderia se ferir. O disco de ferro poderia atingir a cabeça de algum aluno, aí a responsabilidade seria do Colégio e de quem permitiu aquela barbaridade.

Lembro-me que o melhor piso para o jogo era a terra batida, nos terrenos baldios que todos os bairros de Curitiba sempre tinham livres para a felicidade da piazada.

O disco poderia atingir algum desavisado, mas se o disco passasse perto do guri, alguém gritava: – “Eita piá! Acoorrrrda buuurrrrro.”

Alguns piás de prédios não jogavam malha. Achavam perigoso, como tantas outras coisas.

Ouvia-se o coaxar de rãs e sapos. Sim, tínhamos banhados por todos os bairros. Onde estarão aquelas rãs? Só serão redescobertas daqui a milênios, pelos arqueólogos do futuro.

Sentávamos nos carrinhos de rolimãs que sempre esfolavam nossos joelhos ou a cara no asfalto, nas ladeiras recém asfaltadas ou na descida da rua Buenos Aires a partir da Getúlio Vargas, na pracinha do Atlético.

Quem teve uma infância verdadeira soube o que foi tomar banho nos rios, que um dia foram limpos, subir em árvores em terrenos baldios ou fazer coisas que hoje seriam impensáveis.

Onde estará aquele jogo de malha que tive em minha infância? Estará no sótão da casa de algum amigo a quem emprestei ou apenas nas minhas lembranças? Neste mundo das tecnologias que empalidecem os rostos e atrofiam os músculos das pernas e dos braços, ninguém mais tem  jogo de malhas.

Hoje, as crianças devem se tornar adultos o mais rápido possível para poder trabalhar e consumir.

A infância virou um aparelho de celular.

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