5:59Lula aqui foi o de sempre

Da Gazeta do Povo, em reportagem de Fernando Martins e Kelli Kadanus

Conspiração, fascismo, rojões, Globo, isenção do IR: tudo o que Lula disse em Curitiba

O ex-presidente Lula (PT) concluiu nesta quarta-feira à noite (28), em Curitiba, terra da Lava Jato, sua caravana pela Região Sul. O ato de encerramento foi um comício recheado de teorias da conspiração, acusações de que os adversários são fascistas, críticas à Rede Globo, promessas eleitorais e ironias. Uma multidão acompanhou o pronunciamento do petista na Praça Santos Andrade, no centro de Curitiba.

Lula disse ser vítima de uma espécie de conspiração internacional para que não volte a governar o país e o Brasil não cresça e incomode as grandes potências – o que ele teria feito quando era presidente. Insinuou que a Rede Globo e a Lava Jato fazem parte dessa conspiração. Reclamou dos fascistas que o impedem de circular o país.

O ex-presidente ainda ironizou seus adversários quando houve um pequeno “panelaço” de pessoas contrárias a Lula nos prédios que cercam a praça e quando rojões foram soltos por manifestantes que tentavam atrapalhar seu discurso : “É bom guardar o rojão para fazer minha festa em 1.º de janeiro [data da posse do presidente que será eleito neste ano]”.

Afirmou ainda que, se for eleito, vai convocar uma Constituinte e um referendo revogatório das medidas implantadas pelo governo do presidente Michel Temer (PMDB). Assegurou que irá federalizar o ensino médio, construir mais universidades públicas e isentar do Imposto de Renda (IR) quem ganha até cinco salários mínimos (quase R$ 5 mil). Hoje, quem está isento são aqueles que recebem pouco abaixo de R$ 2,2 mil mensais.

A grande conspiração internacional contra Lula, segundo ele próprio

No início do discurso, Lula relatou todas as dificuldades que encontrou na caravana pelo Sul: bloqueios de estradas, protestos com ovos e pedradas e o atentado a tiros que atingiu dois ônibus de sua comitiva. “Não são democratas. Estão mais para nazistas e fascistas do que qualquer outra coisa”, disse o petista.

O ex-presidente ainda afirmou que a imprensa foi conivente com a criação do clima de violência política que tomou conta do país. E reclamou principalmente da Globo: “O culpado desse ódio chama-se Rede Globo de Televisão”.

Lula também disse que a Globo, a Polícia Federal, o Ministério Público Federal, o juiz Sergio Moro e o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) criaram a mentira de que ele era dono do apartamento tríplex do Guarujá (SP) numa tentativa de “tentar destruir a política e as lideranças desse país”. E que isso faria parte de uma grande conspiração internacional para que o Brasil perca sua soberania nacional que começou a ser orquestrada quando o país descobriu o pré-sal – que teria despertado o interesse internacional para essa riqueza do país, administrada pela Petrobras. Não por acaso, segundo Lula, há a intenção de privatizá-la.

O ex-presidente afirmou inclusive que as manifestações populares de junho de 2013, que levaram milhões de brasileiros às ruas contra a corrupção e por melhores serviços públicos, teriam sido orquestradas pelos Estados Unidos. Lula citou um telefonema que o primeiro-ministro turco Recep Erdogan deu para Dilma contando isso.

Pelo menos outros dois aliados de Lula que discursaram no comício endossaram a mesma tese da conspiração internacional. O deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS) foi nessa mesma toada ao criticar o juiz da Lava Jato Sergio Moro e os procuradores da força-tarefa Deltan Dallagnol e Carlos Fernando Lima. “[Eles] ainda sentarão no banco de réus”, disse. E concluiu: “Capachos dos Estados Unidos para entregar o nosso petróleo.”

O senador Roberto Requião (PMDB-PR) usou o mesmo argumento ao justificar a perseguição a que Lula estaria sendo vítima para não se eleger presidente. Para ele, a condenação de Lula faz parte de um plano de potências estrangeiras para que o Brasil “entregue” seu petróleo e recursos naturais, como o Aquífero Guarani.

Aliados de Lula dizem que adversários são “fascistas”, “psicopatas”, “canalhas”, “machistas” , “cachorros loucos”

Lideranças não só do PT, mas de outros partidos de esquerda, de sindicatos e de movimentos sociais, participaram do comício. Vários deles tacharam seus adversários da direita de “fascistas”, “psicopatas”, “canalhas”, “golpistas” e até mesmo de “machistas”, “homofóbicos” e “cachorros loucos”.

atentado a tiro contra os ônibus da caravana de Lula,a condenação do petista à prisão e a possibilidade de o petista não participar da eleição foram citados como exemplos do “fascismo” que estaria sendo implantado no Brasil.

O presidente nacional do PSol, Juliano Medeiros, afirmou que seu partido estava deixando de lado suas diferenças com o PT para reafirmar seu compromisso com a democracia diante do crescimento do fascismo no Brasil.

Medeiros culpou ainda a direita pelo assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSol) – a investigação do caso ainda não foi concluída e não há nem mesmo suspeitos. Marielle também foi citada pelo senador Humberto Costa (PT-PE) para criticar a Rede Globo. Segundo ele, a Globo se “apropriou” da causa de direitos humanos defendida pela vereadora.

A Globo também foi alvo da ira do deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP). Ele disse que, se o PT voltar ao poder, a democracia será ampliada por meio do controle dos canais de televisão que enchem a cabeça das pessoas de “merda”.

Nos discursos, uma volta aos anos 1960: burgueses, imperialismo, luta de classes

Os apoiadores de Lula que falaram no comício, em muitos momentos, fizeram referências à ditadura militar (1964-1985), tentando associá-la a seus adversários. O senador Lindberg Faria (PT-RJ) lembrou de que, nesta quinta, fazia exatos 50 anos que o estudante secundarista Edson Luís de Lima Souto foi assassinado num restaurante do Rio de Janeiro por policiais militares – marcando o início do período mais duro da ditadura.

Lindberg afirmou ainda que o Brasil vive uma “escalada fascista” que não se via desde os anos 1970. Disse que foram os adversários do PT que começaram isso quando afastaram Dilma Rousseff da Presidência. Culpou ainda as emissoras de tevê, que teriam criminalizado a política. O senador do PT disse ainda que só há um caminho para pacificar o país: por meio de uma eleição livre e democrática com Lula candidato.

Os discursos, muitas vezes, também lembraram a década de 1960 nos termos que foram usados. O líder do MST, João Pedro Stédile, chamou os adversários do PT de “burgueses” e disse que a eleição presidencial deste ano será uma “luta de classes”. O sindicalista Índio, da Intersindical, chamou a Globo de instrumento do “imperialismo”.

Dilma critica Bolsonaro e Alckmin. E liga adversários do PT ao machismo

A ex-presidente Dilma também tentou associar os adversários à ditadura. Sem citar nomimalmente Jair Bolsonaro (PSL-RJ), falou num candidato a presidente que fala em matar e apoia a tortura – o que de fato o deputado faz. Mas ela também disse que o governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) é outro que defende a escalada da violência – embora a ex-presidente tenha dito que depois ele “voltou atrás” no caso do atentado a Lula.

Dilma buscou ainda ligar os adversários do PT ao machismo. E citou que quatro mulheres que participavam da caravana – uma delas em tratamento de câncer – teriam sido agredidas por serem do sexo feminino.

Dois presidenciáveis de esquerda manifestam solidariedade a Lula

O comício de Lula teve ainda a participação de dois outros presidenciáveis da esquerda: a deputada estadual Manoela D´Ávila (PCdoB-RS) e o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) Guilherme Boulos (PSol-SP). Os dois manifestaram solidariedade a Lula após o atentado à comitiva.

Boulos disse que Bolsonaro tem de ser responsabilizado pela escalada do ódio e do fascismo no país: “Bandido!”, disse o líder do MTST. “Com fascismo não se conversa, se combate.”

Visita de Lula foi cercada de tensão: MBL tentou lançar ovos em Lula, mas não conseguiu

A visita de Lula a Curitiba foi cercada de tensão após dois ônibus da comitiva do ex-presidente terem sido alvejados por tiros, durante a passagem da caravana por Quedas do Iguaçu, no Oeste do Paraná.

Além disso, a preocupação com a segurança de Lula aumentou por causa da manifestação marcada pelo Movimento Brasil Livre (MBL) e por outros grupos de direita para a Praça 19 de Dezembro, que fica próxima ao local onde Lula discursou.

Manifestantes anti-Lula tentaram se aproximar do palco em que Lula falaria para jogar ovos no petista. Mas a cavalaria da Polícia Militar do Paraná conseguiu contê-los e evitou que se aproximassem da Praça Santos Andrade.

Além disso, o próprio PT armou uma estratégia para tentar evitar que Lula fosse alvo de ovos ou outros objetos durante seu comício: crianças foram colocadas no palco. O ex-presidente inclusive segurou um bebê na sua chegada ao palco.

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