6:44Os soberanos da Benjamin Constant

por Célio Heitor Guimarães

Sabe o leitor qual é a mais importante “autoridade” desta Terra dos Pinheirais? Suas excelências o governador do Estado, o presidente do Tribunal de Justiça ou o presidente da Assembleia Legislativa? O chefe de polícia? Sua reverendíssima o arcebispo metropolitano? Ou o reverendo pastor da Igreja Universal do Reino de Deus?

Se indicou uma das opções acima, errou. A maior autoridade no Estado do Paraná (como, de resto, nas demais unidades da federação) é o Agente Municipal de Trânsito (aqui grafado em maiúsculas para não correr o risco de ofendê-lo e deste gesto sofrer represálias). Sim, aquele indivíduo que, acoitado em pontos variados da cidade e à sorrelfa, dispara, a seu bel-prazer, autos de infração de trânsito contra os condutores de veículos.

E pouco importa se o tal motorista infringiu ou não regra de trânsito. O que importa é que o dito Agente ache que ele infringiu. E contra isso não há o que dê jeito.

Dou um exemplo pessoal, que certamente é idêntico ao de centenas de pessoas. Quem me conhece ou lê estas mal traçadas linhas sabe que não tenho telefone celular. Nunca tive e nunca terei enquanto isso for possível. Mais: odeio telefones celulares e, sempre que posso, impeço que o maldito aparelho entre em meu carro. Pois bem, em 31 de maio do ano passado, fui autuado, às 17h21m, pelo Agente 622, na Rua 24 de Maio, entre as Avenidas Sete de Setembro e Silva Jardim, por “dirigir veículo segurando telefone celular”… Sim, o telefone celular que não tenho, que não acolho em meu carro e que somente utilizo (o de outrem) em casos extremos! Mas o Agente 622 flagrou-me com ele na mão. E autuou-me pelo cometimento de infração de “natureza gravíssima”, com a aplicação de pena de multa e o registro de 7 (sete) pontos no meu prontuário de motorista, tamanha a minha desfaçatez.

Idiotamente, fiz o que o Código de Trânsito Brasileiro prescreve: recorri da autuação à Setran. Apresentei as alegações cabíveis e fiquei no aguardo do indeferimento de praxe. Ele chegou no final de janeiro deste ano: “Comunicamos que a defesa de autuação protocolizada sob nº … foi indeferida conforme fundamentação escrita no processo…”

Não me restou opção, como palhaço das perdidas ilusões, senão requerer à Secretaria Municipal de Trânsito cópia de inteiro teor do acima aludido expediente, o que fiz no dia 30.01. Fui, então, informado de que o atendimento demoraria cerca de 20 dias e que poderia ser feito on-line, chegando ao meu endereço eletrônico. Fiz ver ao atendente que o prazo final para recurso à Jari era dia 26 de fevereiro.

Como até sexta-feira 23.02, não houvesse recebido nenhuma resposta, fui pessoalmente à Rua Benjamin Constant, 157, sede da Setran. Ali, para minha surpresa, fui cientificado de que o meu pedido não poderia ser ainda atendido porquanto o processo ainda “não retornara àquela repartição” (?!), pendendo de decisão (?!). Fiz ver à atendente que a decisão já fora tomada, tanto que indeferira a minha defesa, e que o que eu precisava era conhecer os motivos para recorrer à instância superior, cujo prazo venceria na segunda-feira. Resposta da atendente: “infelizmente, o processo não está conosco” (?!); “o senhor recorra de qualquer jeito” (!). Um absurdo!

Na segunda-feira desta semana (05.03) – quer dizer, muitos dias depois do prazo – recebi pela internet as “razões” do indeferimento de minha defesa. A prestimosa analista Marinete Murcia de Andrade, em singela análise, concluiu “que não se pode dar amparo às alegações do requerente”. Isto porque “o auto de infração está em conformidade com os requisitos exigidos pelo artigo 280 do Código de Trânsito Brasileiro…” Quer dizer, dele constam “tipificação da infração; local, data e hora do seu cometimento; identificação de veículo vetor; indicação do órgão ou entidade de trânsito competente; e, informação quanto à autoridade ou agente autuador”.

E, em seguida: “A materialidade da infração foi comprovada e reduzida a termo no competente auto de infração”. Ressalta a analista que “a lavratura do auto de infração é um ato administrativo e, como tal, goza de legitimidade e presunção de veracidade, cabendo ao requerente o ônus de apresentar prova em contrário para afastar a verdade legal provisória nele inscrita”.

Então o ato administrativo goza de legitimidade e presunção de veracidade, cabendo ao apenado o ônus da prova em contrário?… Ou seja, o agente autuador, que desencadeou o ato administrativo e a punição dele decorrente, não precisa provar nada – basta autuar –, cabendo ao autuado provar a sua inocência…! Só que o que ele disser e o que argumentar em sua defesa sequer será considerado…! Afinal, o miserável é um meliante que não dispõe de “fé pública”. E, assim, todos os princípios constitucionais e de Direito são atirados no lixo… pelas próprias “autoridades públicas”.

A prática descarada se repete religiosamente, qual um mantra, há anos, através de fórmulas padronizadas e vazias, sem que ninguém tome uma providência. E as funções de agente de trânsito e de analista de defesa de autuações da Setran passam a ser as mais cômodas do mundo.

Eminente alcaide Rafael Valdomiro: bem que v. exª., tão logo se desincumba daquela obra na Praça do Japão, poderia dar uma geral na Setran. Há um descontrole perverso e nefasto naquele órgão que exige medidas urgentes. No mínimo, para que passe, enfim, a funcionar como deve, despindo-se da arrogância, cumprindo a lei e respeitando o cidadão de transita por esta cidade.

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12 ideias sobre “Os soberanos da Benjamin Constant

  1. Rogério Distéfano

    Meu caro Célio

    Não entro no mérito de seu recurso porque sempre há uma terceira instância. Fico no mérito de seu mérito, por todos proclamado. Vai daqui meu apoio. Ouso fazer-lhe ponderações, das quais me desculpo por antecipação.

    Primeira. O soberano da Benjamin Constant, este enclave de cinco quadras, é este que vos comenta. Soberano com cetro e sem poder. Como a rainha da Inglaterra, meramente cerimonial.

    Segunda. Contra o sátrapa e as baitacas do Detran, recomendo-lhe pedir as luzes de nosso confrei Cláudio Henrique de Castro, homem de luz alta, baixa, faróis de milha, neblina e xenônio neste breu da legislação do trânsito.

    Do seu sincero admirador, atento e obrigado.

  2. Parreiras Rodrigues

    E, no embalo, da bronca do Célio – olha a intimidade, decidi retirar o adesivo pró Lava-Jato. Desconfio da “marcação” de guardas petistas.

  3. antonio

    Alguém com inconformismo com as barbaridades praticadas dia a dia nas nossas ruas. Todo mundo que entra com recurso sabe que jamais irá ser reconhecida a sua justificativa. E fica por isso mesmo.
    Só acho que não será o Prefeito quem resolverá isso. É uma questão de legislação que deu poderes absolutos aos multadores do trânsito. Algo terá que ser feito e eu particularmente não sei o quê. Talvez com movimento de segmentos da sociedade organizada, da OAB, e dos legisladores na busca de uma solução definitiva. Não conheço ninguém que tenha tido a sua defesa considerada. É padrão o indeferimento. A análise, em princípio e até onde sei é feita por pessoas sem qualquer especialização e muitas indicadas por ingerência política.

  4. Vinhoski

    Isto me lembra uma história, acho que na Califórnia ou outro estado norte-americano, em que implementaram regra de bonificação salarial em função da quantidade de apreensões e prisões efetuadas …

  5. Zangado

    Célio Heitor, esse é o drama kafkiano de milhares de autuados seja pela “otoridade” de trânsito municipal ou Estadual. A indústria de multas está aí implantada pois os órgãos de trânsito são geridos por comissionados do gestor de ocasião, não existe exame de legalidade por parte de advocacia publica, advogados de carreira, com compromisso público e nao com o chefete de ocasião, o “devido processo legal” está nas mãos de “analistas” (seja lá o que for que isso signifique) e as autuações quiçá por terceirizados cuja empresa receba percentual pelas autuações. A tabela de tipos de multas de tão ciclópica nem é aplicada, vão no mais cômodo é isento de prova: uso de celular, ultrapassar sinal vermelho ou não uso de cinto de segurança. É ilusão pensar que o Ministério Público ou o Tribunal de Contas apurem a efetiva legalidade da atuação desses Setran ou Detran. A indústria de multas e taxas de trânsito vieram para fazer caixa para os governos e assaltar o bolso dos incautos contribuintes. Educação, prevenção e orientação do trânsito é o que menos se vê. Implantação de ciclovias seguras e transporte público de qualidade é propaganda de véspera de eleição. É só.

  6. Francisco Lima

    O célio tá de mimimi que nem o lula. O sujeiito não prova que o triplex não é dele e fica reclamando que está sendo perseguido! Estamos na república de curitiba afinal! Se o moro pode, qq autoridade pode inverter o onus da prova.

  7. TOLEDO

    Silvestre, era eu que estava no Tel, mas o guarda é meu companheiro e só pedi para ele transferir para um Super Coxinha. Deu tudo certo.

  8. Célio Heitor Guimarães

    Só para deixar registrado. Recebi do dr. Rolf Koerner Jr., causídico conceituado e ex-secretário da Segurança Pública desta província: “O pior ocorreu comigo. Fui autuado. Multaram-me porque dirigia, falava ao telefone e fumava. E eu só tenho um braço.
    Recorri. Perdi. Paguei a multa e ponto final.”

  9. swissblue

    Tambem tenho uma desagradavel experiencia com a industria da multa de Curitiba. Retornei a Curitiba para um compromisso e gentilmente um amigo deixou seu veiculo a minha disposicao. Vindo pela rua que da acesso a Praça Rui Barbosa para descer a Andre de Barros levei uma multa ao que parece por ter feito uma conversao nao permtida. Ë uma linha reta. Pelo que sei é possivel dobrar na Praça Rui Barbosa e descer pela Andre de Barros. So soube da multa quando o proprietario do veiculo recebeu a notificacao. Me informou e prontamente aceitei pagar a infracao, porem antes era necessario informar o numero da CNH da motorista. Eu resido em outro pais e nao tenho CNH Brasileira. Logo nao informei o numero da CNH. Agora chegou outra multa por nao haver sido informado a CNH. Nao sera estranho se amanha chegar a 3a. multa por ter voce cometido uma infracao. Sera a multa da multa. Absurdo dos absurdos. Pobre bela Curitiba!

  10. jose lagana

    Lamento o ocorri. Se verificar na notificação, quem o notifica é a prefeitura. Esta não tem personalidade jurídica, não fala, não vê e não ouve. Só jornalistas formado nos últimos dez anos tem capacidade de falar com a prefeitura e dela receberr informações. O ATO DA AGENTE É NULO DE PLENO DIREITO PORQUE NULA É A NOTIFICAÇÃO EFETUADA PELA PREFEITURA. que nã tem e nem possui personalidade jurídica. FICA AI MINHA CONTRIBUIÇÃO AO AMIGO.

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