19:46ZÉ DA SILVA

Ele entrou no trem fantasma do Parque Shangai em São Paulo e saiu no Parque Alvorada em Curitiba. Um era em preto e branco. O outro também, mas quando colocou o pé esquerdo na roda gigante, onde via todo o Passeio Público e o Colégio Estadual, tudo ficou colorido. Comeu algodão doce cor de rosa e pagou uma maçã do amor para uma guria que disse que era mina porque ela também tinha vindo do Shangai. Alguma coisa aconteceu no coração dele. Saiu correndo e chegou à Rua Riachuelo quase sem fôlego, mesmo porque fumava Macedônia, Continental ou Caporal Amarelinho. Olhou o relógio da Raeder e um movimento depois do Paço Municipal o atraiu. Getúlio Vargas liderava um cortejo imenso de políticos na Rua XV. A pé. Acompanhou. Um menino na porta da livraria Ghignone chamou sua atenção. Era o filho do dono. Recebeu um aceno. Ao piscar o olho esquerdo, o asfalto sumiu, um calçadão apareceu sob seus pés, assim como lojas de R$1,99 em volta. Ele se perguntou se nesse delírio lisérgico poderia encontrar Dalton Trevisan. O Vampiro saiu do fundo do Bar Cometa e olhou uma polaca fornida com pinta perto do canto esquerdo da boca. Alguém passou e disse que Zé Roberto foi para a esbórnia outra vez – mas jogou um bolão. Lhe ofereceram pedras de crack. Ele preferiu pegar o bondinho antes de chegar à Boca Maldita. As crianças cantaram nas janelas do Palácio Avenida. Ele continuou vendo tudo de cima. Se achou seguro no estribo. Era um passageiro. Teve certeza ao ver o cobrador e o motorneiro. O levaram de volta ao Shangai. Ele desceu e foi para casa. Na Zona Leste. Não encontrou mais nada, nem os amigos da vila e muito menos ruas de terra na frente de terrenos baldios. Estava velho. Se alimentava misturando realidade e fantasia.

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