18:20ZÉ DA SILVA

Tomei o gole de café forte. Antes, ao tentar levantar da cama, tonteei e caí pra trás. Coisa estranha. Mas elas acontecem assim. Na cozinha do apartamento, o dono, amigo, telefona para saber da mãe. Conheci a senhora. Um dia fotografei-a tomando cerveja. Ela, velhinha, colocava o copo na boca, segurava com a mão direita e, com a esquerda, fazia-o virar para sorver o líquido. Antes do “mãe, você está bem?”, me vi meu pai, na pose dele à mesa, cabeça amparada pela mão espalmada na testa. Sim, virada de ano, virada de página. Por mais que tentemos ser frios, ah! Os filhos lá longe. Os pais que se foram há tempos aqui dentro. Não sei se fiquei cinza ou se resplandeci em agradecimento pela vida que me deram e também aos netos. Marejei os olhos sob ordem explícita do coração. Piegas? Se é isso, como sou! Lembrei então que nunca atravessei o ano em festa com eles. Foi assim que aprenderam no sertão nordestino. Passaram e eu fui passando e assimilando outras formas. Eles, no entanto, sempre comemoraram eu e meu irmão. Do jeito deles. Ela, um anjo baixinho e de rosto triste, mas delicada e amorosa ao extremo. Ele, fechado, mas seus olhos azuis cristalinos traíam aquela carranca, porque iluminados. Um anjo alto, lutando para sair – e saindo com os netos. Eles sou eu. Em qualquer data. Para sempre.

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Uma ideia sobre “ZÉ DA SILVA

  1. Sergio Silvestre

    Engraçado ,os acontecimentos vão se sucedendo e nós ansiosos para que seja logo o dia,e os destinos traçados e o tempo nos da a sensação de que somos eternos e não aproveitamos como deveria esse estalo de dedo de Deus .

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