10:17Zé Pequeno

por Sérgio Brandão

Zé Pequeno deve ter pouco mais de um metro e meio, um pouco gordinho… é uma daquelas figuras que você conhece e não esquece nunca mais. Quando você encontrar alguém diferente na vida, vai sempre lembrar do Zé.

Simples, engraçado, mas também muito irritado, dependendo da brincadeira que fizerem com ele.

Quando criança, deve ter sido motivo de muito bullying. Respostas pra tudo, sempre duras, porque provavelmente a vida exigiu que assim fosse, pra se defender.

Mas Zé Pequeno também é um doce. Sincero, amigo fiel, se você conseguir ganhar sua confiança. Nunca sorri. Há tempos perdeu todos os dentes de cima e disso tem vergonha. Se habituou a não rir. Às vezes nem lembra que não ri porque não tem os dentes. De tanto tempo que não sorri, uma vez ou outra escapa um meio sorriso, travado.

– Zé, dá um sorriso!

No meio do caminho trava o sorriso porque lembra que lhe faltam os dentes. E, na boa, fala que não quer aparecer sem os dentes. Diz que é para pensarem que é bonito. Claro que se soubesse não teria pedido o sorriso do Zé.

A vergonha que passei com o Zé foi maior que pedir um sorriso. Fiz um texto pra ele. Daqueles de recuperar a autoestima entre os amigos. Pra mostrar que ele, pelo menos pra mim, tinha mais admiração que seus companheiros de trabalho.

Esperei uma inspiração, escrevi e fui correndo mostrar pra ele. De cara percebi que tinha algo estranho. Junto estavam outros amigos, que fiz questão que vissem o texto junto com ele. Todos pararam. No começo, meio sem graça, Zé me diz que estava sem óculos e me pediu pra ler pra ele. Nunca tinha visto o Zé de óculos. Começava uma algazarra entre seus companheiros de trabalho, novo bulying, que aos poucos foi se aquietando… na medida que eu lia.

Alguma entidade me conduziu até o fim, na leitura, cada vez mais firme. Terminei com um silêncio sepulcral na sala. Todos de cabeça baixa e o Zé chorando. Ele ainda segurou o silêncio por mais uns cinco segundos e manda a frase que eu temia ouvir – “Que merda não saber ler”!

Me agradeceu, e como fiz a leitura no celular, me perguntou se eu podia mandar pra ele. Como não tem e-mail e de nada serviria a impressão, pediu para eu mandar para o e-mail da filha. Dois dias depois chega o Zé com um papelzinho com o endereço da filha. Mandei. Não tive resposta.

Mais dois ou três dias, lá estava o texto exposto num mural, no local de trabalho do Zé, como um troféu, impresso em azul. Pra chamar atenção, me justificou ele mais tarde.

“Vai ficar aí até desbotar, perder a cor”, me garantiu o Zé.

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