21:50ZÉ DA SILVA

O motorista gritou no meio da estrada, sob um sol de derreter moleira: “Vamos parar para ver a rapadura!” Uma sensação estranha me sufocou – e agora sei o motivo. Há alguns anos eu estava afogado no melaço e ver uma rapadura naquele momento não seria conveniente. O nativo insistiu e apresentou aquilo que achava ser o fator decisivo para o convencimento: “É a maior rapadura do mundo! Pesa uma tonelada e meia”. Confesso que na hora senti como se aquela monstruosidade tivesse caído de uma altura de 14 andares sobre minha cabeça. Imaginei até a cena no parque onde malucos despencam de um brinquedo chamado Insano. Mandei o piloto pisar no acelerador e passar rápido por aquele lugar. Deu tempo de ver o cartaz que anunciava também rapaduras dos mais variados e estranhos sabores. Meus dentes trincaram e doeram. Fechei os olhos para me transportar para outro lugar – mudar o foco, como dizem jogadores de futebol que aprenderam também a palavra emponderamento. Pronto! Estava aqui, dentro de um tomógrafo. Um médico disse que era preciso dissolver as pedras que encontraram no corpo – e que me causavam tanta dor insuportável e constante. Pedi para ver os exames. Não deu outra: eram rapaduras! Dispararam tiros. Então, senti que morri – mesmo estando vivo.

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