7:26Revolução de Outubro, 100 anos

Por Ivan Schmidt 

O artigo final da série “Revolução de Outubro 100 anos” será publicado na penúltima sexta-feira de dezembro, encerrando as considerações históricas sobre um dos marcantes acontecimentos do século 20, no ensejo do transcurso de seu primeiro centenário.

Foi uma colaboração propositiva com os frequentadores do espaço, pelo menos na avaliação do autor, que ao mesmo tempo sente-se gratificado por tentar trazer à luz uma discussão – ou fragmentos dela – envolvendo fatos ocorridos no período de um século.

Com a morte de Stalin em março de 1953, o império vermelho perdeu aquele que mais que um chefe hierático – segundo o historiador francês François Furet – havia implantado uma espécie de sacerdócio adorado pelas massas em contínuo movimento.

A morte do líder inconteste encerrou uma época, ninguém discute, embora tivesse erigido o paradoxo “de um sistema pretensamente inscrito nas leis do desenvolvimento social e no qual tudo depende de tal maneira de um único homem, e, uma vez desaparecido esse homem, o sistema perdeu algo que lhe era essencial”, sublinhou.

O historiador traçou um paralelo entre as mortes de Stalin e Hitler reiterando que não há nada que possa aproximá-las: “O ditador alemão – que se inventou a si mesmo e, ao mesmo tempo, ao seu regime – suicidou-se uma vez vencido, deixando atrás de si apenas ruínas. Stalin, porém, era um herdeiro, um vencedor, um fundador de império; morreu mais poderoso do que jamais fora, alguns anos depois de ser festejado, em seu 70º aniversário, como um gênio universal”.

Sucessor de Lenin, Stalin empalmou a posição mesmo não sendo o único dos pretendentes, utilizando todos os recursos assistidos pela astúcia ou pela força, quase sempre necessária, eclipsando os rivais pelo uso de férreo poder “antes de reduzi-los pelo assassínio e pelo exílio, ou os dois juntos, como no caso de Trotski”.

Como peças distintas do arcabouço construído por Lenin, o novo ditador passou a manipular como cordéis que direcionavam as ações para a consecução do poder absoluto, as ferramentas facilitadoras representadas pelo partido único, a ideologia bolchevique, o terror e a polícia política.

Diga-se de passagem, elementos concretos que sustentaram durante décadas o exercício do poder e forjaram uma das ditaduras mais cruéis e vingativas da era moderna.

Furet diz que o georgiano se apropriou dessas vantagens e “as uniu num sistema de governo ‘asiático’, que coroa com o extermínio do campesinato como ‘burguês’: assim, ele pode tanto quanto qualquer outro reivindicar a ideia original. Tanto, e talvez melhor: pois seu trunfo principal é ter feito durar esse regime tão pouco propício a durar; ter prolongado, e até mesmo relançado, a ilusão revolucionária, ao mesmo tempo em que a constituía como uma cadeia de autoridade primitiva, mas obedecida”.

O historiador lembra que Trotski, “letrado demais para o que tinha de terrorista, quase certamente teria fracassado”, e o “gentil Bukharin teria dilapidado o tesouro familiar num retorno bem temperado ao capitalismo”.

Com a vitória na Segunda Guerra, Stalin transformou a União Soviética num império e numa superpotência, agregando à ideia comunista um prestígio jamais imaginado.

Nas palavras do autor de O passado de uma ilusão (Editora Siciliano, SP, 1995) “o Estado soviético encontrou uma base mais regular. Não que ele seja menos arbitrário ou menos despótico, não que a repressão de massa tenha cessado, já que pelo contrário, ela recomeçou; mas a tribuna do Kremlin mostra os mesmos dirigentes a cada aniversário de Outubro, e a máquina burocrática possuiu um verniz ‘moderno’ que um partido todo-poderoso e, contudo, submetido a uma dizimação sistemática conduzida por um grupo variável de comparsas ao redor de um chefe de bando imprevisível, não tinha antes da guerra”.

Ao que parece Stalin nunca esteve preocupado com a sucessão, porquanto “sua única obsessão é conservar o poder e, em primeiro lugar a vida, desbaratando as conspirações que sua desconfiança paranóica não se cansa de apresentar à sua imaginação”.

Na velhice, cercado de guardas e soldados, Stalin pouco aparecia ou falava em público, mudando com frequência de endereço e itinerário. Uma das revelações guardadas  sobre o comportamento pessoal na última fase da vida, lembra que o ditador somente se alimentava quando outra pessoa provava os pratos preparados em sua própria cozinha.

Finalmente, a morte do bajulado guia genial dos povos desencadeou o processo de sucessão, propiciando uma guerra surda entre hipotéticos candidatos ao cobiçado cargo de secretário geral do PC soviético, nomes conhecidos como os de Molotov, Beria, Malenkov, ou mesmo o “azarão” Nikita Kruschev, que apesar da quantidade de percalços foi alçado ao trono moscovita.

O XX Congresso do Partido Comunista realizado em fevereiro de 1956 marcou a real tomada de poder por parte de Kruschev, cujo discurso oficial ainda é considerado um dos documentos mais importantes do século passado (não o mais profundo e nem o mais completo), mesmo denunciando a falácia do regime soviético depois de 1917 e “a alta barricada de mentiras erguida para proteger sua mitologia”.

Furet adverte que “a voz que denuncia os crimes de Stalin já não vem do Ocidente e sim de Moscou, e do santo dos santos em Moscou, o Kremlin. Já não é a voz de um comunista banido que volta ilegalmente ao seu país e sim do primeiro dos comunistas do mundo, do patrão do Partido da União Soviética”.

A não pequena era do domínio de Stalin sobre a máquina soviética chegou ao fim melancolicamente, mas o império vermelho haveria de sobreviver por bastante tempo, embora em acentuado processo de desgaste e sem importância política.

 

 

 

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Uma ideia sobre “Revolução de Outubro, 100 anos

  1. Uncle Joe

    Stalin deve ser lembrado pelas dezenas de milhões de pessoas que mandou matar, o sadismo dele só se compara ao de Hitler, Mao Tse Tung, Pol Pot e outros sádicos da História Antiga. A Rússia de hoje infelizmente segue sendo um regime imperial, com um czar como foi Stalin.

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