6:54Olha aí o Santo Ofício de volta!

por Célio Heitor Guimarães

Eu sabia que isso não podia dar certo. Primeiro, pela origem do cardeal Jorge Mario Bergoglio: argentino. De onde? Argentina. Onde fica isso? Na América do Sul. Ah, aquela terra de ditaduras militares, milongueiros e jogadores de futebol!… Além do que, um velhinho meio troncho, que tem um só pulmão e pés chatos… Segundo, Jorge Mario foi o único, em duas centenas e meia de papas a escolher o nome de Francisco, um santo meio outside da Igreja Católica, nascido em família milionária, que trocou a fortuna pelo convívio com os pobres e com os passarinhos.

Terceiro, já na posse, Francisco introduziu no Vaticano um elemento absolutamente estranho no reino de São Pedro: a humildade. Antes, fizera questão de pagar pessoalmente a despesa no hotel que o hospedara. Em seguida, recusara os refinados aposentos pontifícios, preferindo ocupar um quarto comum do Residencial Santa Maria, destinado à hospedagem de bispos e cardeais.

Quarto: com desusada habilidade, arredou algumas cascavéis da Cúria Romana, determinou uma varredura no Banco do Vaticano e colocou o dedo no tumor maior: a pedofilia que jorrava, em dimensão mundial, pelas frestas de catedrais, seminários e pequenas e grandes paróquias.

Aí, quinto, a ousadia das ousadias! Francisco iniciou a modernização da Santa e Madre Igreja Católica Apostólica Romana, coberta de fungos, cupins, preconceitos e maldições milenares, com o propósito de trazê-la para o Século XXI e estancar a carência de sacerdotes e a fuga de fiéis.

Em meados de 2016, Francisco lançou o que denominou “Exortação Apostólica Amoris Laetitia” ou “A Alegria do Amor”, na qual atreveu-se a focalizar pontos da realidade familiar, ou seja, temas como sexualidade, gestação, adoção, separação, divórcio, nulidade matrimonial, homossexualismo e educação dos filhos, entre outros. Tais questões, segundo Sua Santidade, estariam a exigir orientação, reflexão e diálogo, a fim de oferecer “coragem, estímulo e ajuda às famílias na sua doação e nas suas dificuldades”.

Não foi o que acharam 62 teólogos, sacerdotes e estudiosos leigos, que retrucaram com uma carta de 25 páginas dirigida ao papa e intitulada “Correção filial” – uma iniciativa que não acontecia há 700 anos. Nesse documento, acusam o Sumo Pontífice de, com sua exortação apostólica, bem como outras palavras, atos e omissões a ela relacionados, sustentar posições heréticas referentes ao casamento, à vida moral e à recepção dos sacramentos, fazendo com que essas opiniões se propagassem na Igreja Católica.

Como o papa Francisco não ofereceu resposta, o grupo resolveu divulgar publicamente o seu repúdio, redigido em latim, a língua oficial da Igreja, para torná-lo mais solene e importante.

O que teria feito ou dito o argentino Francisco para correr o risco de ser levado à fogueira da revivida Inquisição (*)?

Entre outras heresias, proposto a permissão da comunhão a católicos divorciados e recasados; a absolvição de mulheres que fizeram aborto e a possibilidade de atribuir postos-chaves a mulheres e homens leigos, concedendo a estes a ordenação para atuarem em regiões remotas, onde faltem padres; e àquelas a ascensão ao diaconato.

Ademais – sacrilégio dos sacrilégios! –, Sua Santidade teria mostrado “simpatias sem precedentes” por Martinho Lutero, a tal ponto de, em sua homilia na Catedral Luterana de Lund, Suécia, em 31 de outubro de 2016, afirmar: “Nós, católicos e luteranos, começamos a caminhar juntos pela senda da reconciliação”. Isso teria levado, à distribuição da comunhão a um grupo de luteranos finlandeses durante a celebração de missa na Basílica de São Pedro. E ainda o Santo Padre teria presidido um encontro de católicos e luteranos no Vaticano, em um anfiteatro no qual se erguia uma estátua de Martinho Lutero.

Os 62 aloprados garantem que as regras da Santa e Madre Igreja Católica foram ditadas por Deus (muito provavelmente, pessoalmente). E que “nenhum papa pode declarar que Deus lhe revelou qualquer nova verdade nas quais os católicos deveriam acreditar”.

Olhem, querem saber de uma coisa?! Francisco fez muito bem em não responder à interpelação dos 62. “Correção filial” uma ova. A ladainha toda não passa de um amontoado de tolices, queixas vãs, inconsequentes e sem fundamento, de um grupo obsoleto e recalcado de papa-hóstias, sem nenhum amor pela Igreja Católica e pelos fiéis que ainda a compõem.

Vai dar certo sim, valoroso papa Francisco! Ignore esses pobres devotos de Tomás de Torquemada e toque em frente o santíssimo trabalho de renovação da vossa Igreja. Somente assim ela sobreviverá.

Cuidado, apenas com o chazinho da noite… Lembrai-vos de João Paulo I.

(*) Também chamada de Santo Ofício, foi uma instituição perversa formada por tribunais da Igreja Católica, nos séculos XIII e XIV e de XV a XIX, com o objetivo de perseguir, julgar e punir pessoas acusadas de desvio de suas normas de conduta. Um dos períodos mais negros da história do catolicismo.

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6 ideias sobre “Olha aí o Santo Ofício de volta!

  1. Parreiras Rodrigues

    Muque, mano Francisco: Nada de moleza para o obscurantismo medieval – obscurantismo medieval é redundância? Mais: Acabe com aqueles paramentos sacerdotais e episcopais, aquelas pedras, panos fofos, ouros reluzentes. Ele nasceu num cocho, andou de sandália, curou leproso e se fez crucificar entre dois ladrões.

  2. zangado

    Fim dos tempos? Há profecias, mas o Vaticano sabe mais faz milênio. Ali estão os melhores cérebros e também os piores demônios. Deve ser obra dos descontentes de sempre. O mundo caindo pelas beiradas e a igrejinha querendo o latim status quo ante. Ótima crônica.

  3. Zé Mané

    Caro Célio, aloprado é você, vê-se que fala do que não sabe, coisa muito comum nos dias de hoje onde todo mundo sabe tudo, até consertar arma nuclear.

  4. ricardo crovador

    Uma correção. O nome “Francisco”, adotado pelo Papa não vem de São Francisco de Assis, mas de São Francisco Xavier, um dos fundadores da ordem à qual ele pertence, os Jesuítas.

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