7:46ZÉ DA SILVA

Ele nunca foi questionado sobre a patetice de ser de esquerda ou direita, preocupado que está com a conta bancária que insiste em ficar no vermelho a maior parte do tempo – e o emprego que já não lhe pertence mais. Como qualquer ser anormal, sempre deixou pronto e engatilhado no subconsciente (ou algo parecido) a pergunta a quem se atrever: “Você foi à missa do Herzog rezada por Dom Paulo?”. Tem certeza que veria uma cara de paisagem na frente, esclareceria então de que não se trata do cineasta alemão, mas sim do jornalista preso e enforcado nas dependências do Exército no tempo em que o país se dividiu entre os gorilas ensandecidos e meia dúzia de adolescentes sonhadores e delirantes. Sim, alguns  ainda cantam a música do Vandré, que também pirou, mas hoje os acordes soam em botecos vagabundos e, naquele tempo, não havia espaço para colocar florzinha no cano do fuzil, mesmo porque a baioneta não deixava. Esquerda ou direita? Ele tem outra resposta, mas de humor escrachado e referente ao órgão genital que repousa em sono quase eterno. Mas se cala. Olha a paisagem, acompanha mais ou menos as notícias de um país e de um mundo em frangalhos e onde a tal maioria silenciosa parece se alimentar com certo prazer das desgraças divulgadas. Espera a hora de ser levado ao asilo para não incomodar mais. E ri, ao mesmo tempo que chora, porque pelo menos tem algumas histórias para contar, como esta de ter ido àquela missa porque sabia do que se tratava e porque atravessou a barreira montada pelas forças de segurança, pois foi do subúrbio ao Centro de São Paulo de ônibus. Lá, na praça da Sé, também foi fotografado do alto dos prédios ao lado. Era um menino que já sabia o valor da vida e se esforçava para ser humano.

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