7:21A carta memorável

Por Ivan Schmidt 

Foi praticamente nulo o espaço dedicado pela imprensa ao transcurso de 40 anos da leitura da Carta aos Brasileiros, pelo advogado Goffredo da Silva Teles Jr, no pátio da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), no famoso Largo de São Francisco, na noite de 8 de agosto de 1977.

A carta redigida em conjunto pelos juristas Goffredo Teles, Fábio Konder Comparato, Tércio Sampaio Ferraz Jr, Miguel Reale Jr e Antonio Cândido, na maioria professores da famosa escola, notabilizou-se como o mais corajoso libelo desferido pela sociedade civil contra a ditadura iniciada no dia 1º de abril de 1964, 13 anos depois do golpe militar e sete anos antes de seu fim inexorável e sem a menor saudade.

Naquela noite longínqua o pátio das Arcadas, como também ficou conhecida a Faculdade de Direito ficou lotado de políticos, professores, estudantes, intelectuais e pessoas do povo.

Na última terça-feira (8), uma comemoração convocada para o mesmo local atraiu  um punhado de pessoas numa demonstração de que as novas gerações já não têm memória do golpe, e também porque a grande maioria dos que viveram aquela fase torpe da recente história brasileira não mais permanece entre os vivos.

A Carta aos Brasileiros teve sua motivação principal no momento em que se festejava o sesquicentenário da implantação dos cursos jurídicos no Brasil, do que se aproveitaram os proponentes para – homens e mulheres que defendiam por vocação cívica e profissional a liberdade de expressão e os direitos humanos – plasmar na consciência do povo uma manifestação corajosa, porque não dizer, heroica, numa conjuntura política ainda amordaçada pelo mandonismo.

A candente leitura feita pelo sempre advogado Goffredo da Silva Teles, a partir daquele momento tornou-se o documento mais arrojado de condenação ao golpe e significou um avanço sensível no combate à ditadura, definida a certa altura da carta como “o regime que governa para nós, mas sem nós”, na sua frase mais expressiva e emblemática.

Todavia, vale lembrar o livro Estado de Direito Já! – Os trinta anos da Carta aos Brasileiros (Editora Lettera, SP, 272 páginas), organizado por Cássio Schubsky “para celebrar um dos mais extraordinários discursos da vida política do país, feito em 1977, com o objetivo de encurtar o regime militar vivido entre 1964 e 1984”.

Uma das revelações mais instigantes do livro é que “o então presidente do Conselho Federal da OAB, Raimundo Faoro não quis subscrever o documento. Nem ele, nem qualquer presidente das seccionais da entidade. Anos antes, aliás, quando os militares derrubaram João Goulart, tanto a OAB nacional quanto a paulista manifestaram seu regozijo com o fato”.

Outro dado levantado em depoimentos ou documentos da época, entre os quais relatórios do Departamento da Ordem Política e Social (Dops) do governo paulista e atas da congregação que dirigia a faculdade,se  refere ao afastamento sumário do professor Dalmo Dallari, que dava aulas no curso noturno de Direito. “Quando os militares, com amplo apoio civil, tomaram o poder, teria esclarecido aos alunos que, em face de qualquer teoria, o movimento configurava um golpe e não uma revolução” registrou Cássio.

O livro também revela o júbilo pela “restauração da ordem democrática do país (ou seja, a tomada do poder pelos militares), assinado por professores da São Francisco”.

Transcorridos tantos anos desde a derrocada do regime militar e a volta do país à democracia e eleição direta do presidente, foram tamanhas e igualmente graves as estripulias perpetradas no ambiente político, a ponto de hoje o ex-capitão do Exército, Jair Bolsonaro, figurar entre os preferidos do eleitorado para o maior cargo da República.

Parafraseando o célebre filme de Ingmar Bergmann sobre a gênese do nazismo, pode-se dizer sem medo de errar que o ventre da antiga serpente ainda está fértil.

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