6:56Revolução: realidade ou farsa?

Por Ivan Schmidt 

Há dentre os leitores desse espaço semanal os que ainda sonham com o advento da revolução brasileira, a verdadeira, e não as versões utópicas ou quixotescas, como opinam outros, já experimentadas à saciedade na história recente do país.

A meu ver, lendo os relatos históricos que dificilmente podem ser questionados em sua veracidade, poder-se-ia afirmar que a Coluna Prestes (abstraindo os episódios de Canudos e do Contestado por seu caráter extremamente localizado), foi o evento histórico mais próximo do feito revolucionário, de vez que constituiu um claro desafio ao governo da União, com a finalidade de refundar a República e fazer respeitar as liberdades civis e políticas.

A feição revolucionária do episódio da segunda metade dos anos 20 estava no fato de que a luta armada seria desfechada contra o governo, por grupos pertencentes a uma mesma instituição: o exército nacional.

Não foi dessa vez e o esforço comandado por Miguel Costa, Luís Carlos Prestes, Isidoro Dias Lopes e outros lutadores se esvaiu no exílio. Reunindo gente de todos os naipes ideológicos, até o tenente Filinto Miller participou da coluna, quem diria. Anos depois, esse “revolucionário” viria a se notabilizar como chefe da polícia da ditadura Vargas (1930-45), no papel de verdugo de legítima inspiração fascista de presos políticos, a exemplo do próprio Prestes.

Então, chegamos à Revolução de 30, também deflagrada por um grupo de políticos no Rio Grande do Sul, a contragosto do grande líder de então – Borges de Medeiros – e, diretamente motivada pelo processo sucessório do então presidente da República Washington Luís, que apoiou abertamente o candidato paulista Júlio Prestes, o vencedor, em detrimento da aliança Rio Grande do Sul-Minas Gerais, cujo candidato a presidente foi Getúlio Vargas, então presidente do estado sulino, aparecendo o paraibano João Pessoa como candidato a vice.

No dia 26 de julho de 1930, no Recife, Pessoa (então presidente da Paraíba) foi assassinado com três tiros pelo desafeto João Duarte Dantas, de tradicional família pernambucana, igualmente envolvida com a política regional.

O crime, na verdade, de origem passional, foi imediatamente transformado em bandeira de luta pelos políticos gaúchos que pressentiam a derrota nas urnas, a ponto do historiador Barbosa Lima Sobrinho no livro A verdade sobre a revolução de outubro – 1930 (Editora Alfa-Omega, SP, 1983), formular a síntese: “João Pessoa vivo foi uma voz contra revolução. Mas João Pessoa morto foi o verdadeiro rearticulador do movimento revolucionário”.

Políticos importantes como Oswaldo Aranha, João Neves da Fontoura e Flores da Cunha se encarregaram de dar o tom crescente ao volume dos protestos e da revolta. Na Câmara dos Deputados, Lindolfo Collor, verberava libelos cada vez mais desabridos contra o presidente Washington Luís.

Antonio Carlos, então presidente de Minas Gerais, segundo Lima Sobrinho, sugeriu “para atender ao protesto popular, que a Aliança redigisse um manifesto, apresentando Washington Luís como responsável pelo sacrifício de João Pessoa, declarando-o por isso fora da lei”.

O historiador também descreve a reação de Getúlio Vargas, assim como sua mais plena interpretação do ímpeto aliancista: “Um manifesto dessa natureza, sem a sua imediata e lógica sucessão, seria um suicídio e um crime”.

No Rio Grande, os defensores da revolta – intendentes municipais entre eles – insuflavam a organização de grupos e a compra de armas. Para Lima Sobrinho “só um reduto parecia inacessível à conquista revolucionária – Borges de Medeiros, cuja adesão era considerada condição básica para o êxito do movimento. Satisfeito de encontrar um argumento justo para as suas hesitações íntimas, Antonio Carlos tornara a concordância daquele chefe gaúcho indispensável à solidariedade integral de Minas. Aí, pois, em torno desse reduto final, empenhar-se-iam as derradeiras pelejas para a revolução, que só seria certa, e poderosa, depois que o houvesse transposto”.

A resistência de Borges de Medeiros arrefeceu e em agosto de 1930 ele se declarou a favor do levante contra o governo federal. O próprio Getúlio – revelou Barbosa – “nunca se exporia à empreitada, sem a certeza daquele apoio que, entre outras virtudes, teria ainda a de atenuar-lhe a responsabilidade, na deflagração da revolta”.

“Não havia mais obstáculos à revolução”, sublinhou o historiador, indicando que o item em discussão passava a ser a fixação da data para o início da conflagração, afinal marcada para o dia 3 de outubro, as 17h30 em todo o país, com uma série de assaltos aos diversos quartéis e repartições do exército. Barbosa informa que “somente o Rio Grande e Minas puderam obedecer rigorosamente à determinação”.

É curioso refletir sobre a observação de Lima Sobrinho, tantas décadas depois da ocorrência da revolta, garantindo que “ninguém se preveniu para a revolução, que foi uma surpresa para o governo”. Os quartéis atacados estavam meio vazios e os comandantes ausentes, sem que houvesse prontidão militar de um extremo a outro do país.

O fato é explicado com base na mentalidade do presidente de então ou, ainda, não havendo quem desejasse desagradá-lo “com a demonstração de receios que ele não aprovaria”, porquanto o otimismo tornara-se lei para todos e ninguém acreditava na revolução.

O certo é que a revolução triunfou em poucas semanas, por sinal, com visíveis manifestações de contentamento da população e adesão (quase) irrestrita das forças militares. Getúlio fixou seu quartel-general em Ponta Grossa e no dia 24 de outubro recebeu um telegrama do general Tasso Fragoso, um dos chefes de certa junta formada por militares sediados no Rio de Janeiro, comunicando a deposição de Washington Luís e a prisão de ministros.

De seu quartel-general em Ponta Grossa, Getúlio ordenou ao comandante das forças revolucionárias, o tenente-coronel Góis Monteiro, que ficasse atento ao comportamento da junta do Rio, a fim de evitar qualquer tipo de surpresa. A preocupação de Getúlio tinha razão de ser, pois a junta já se abancara a nomear novos comandantes de guarnições importantes do exército e interventores federais em alguns estados.

Barbosa Lima acrescenta que somente depois de assentada a posse de Vargas no governo supremo, o chefe revolucionário resolveu se deslocar para a capital da República chegando no dia 31 de outubro, recebido “com manifestações populares formidáveis, apoteóticas”.

No dia 3 de novembro o general Tasso Fragoso, sempre em nome da junta, passa a Getúlio o governo do país. “Getúlio comparecia ao Catete fardado, com um lenço vermelho no pescoço, largo chapéu gaúcho”.

Nesse palácio o gaúcho de São Borja permaneceria até 1945, transformando a revolução libertária numa ditadura implacável. Mesmo assim voltou à presidência da República em 1950, dessa vez, ungido pelo voto de milhões de brasileiros, como se tivesse obtido a maciça aprovação popular ao processo revolucionário. Para constatar (ou não) a assertiva é preciso voltar ao tema.

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