17:42Moto Contínuo

por Fernando Muniz

Prefere correr cedo, antes de a cidade acordar, janelas se abrirem ou pessoas fazerem fila nos pontos de ônibus. Segue um percurso conhecido, sem ladeiras ou ribanceiras, em ruas de asfalto um tanto gasto e praças mal cuidadas.

Sente-se em paz, desligado deste mundo. Em pouco mais de uma hora retornará, satisfeito por cumprir a primeira obrigação do dia, a mais prazerosa.

Embora o percurso devesse levá-lo até o parque da cidade, as ruas e praças parecem idênticas e o parque não chega. Tem a impressão de já ter passado por elas, não em dias anteriores, pois faz isso sempre, mas há poucos instantes. Ruas e praças, ruas e praças, iguais. Pára um pouco para retomar o fôlego, em frente a uma banca de jornal. Lê o noticiário, cruel e previsível, com a impressão de já ter lido aquilo antes. Talvez o dono da banquinha tenha se esquecido de trocar a edição pendurada no mural. Força os olhos, confere ser a de hoje, mas as notícias são de ontem, de tempos atrás. Embora fique intrigado, não quer incomodar o comerciante, a cofiar o bigode, entediado. O esforço da corrida decerto embaraçou a sua percepção das coisas. Resolve continuar o treino.

Já faz meia hora que começou a correr e as janelas ainda não se abriram, nem as pessoas estão atrás de condução. Ruas e praças, praças e ruas, idênticas. Passa por uma nova banca de jornal, com as mesmas notícias penduradas exatamente no mesmo lugar, sendo o vendedor de jornais idêntico ao da outra banca. O bigode é igual. E quem usa bigode hoje em dia? Ainda mais uma sucessão de vendedores, em bancas idênticas?

Não pode ser; desde o início do treino correu sempre avante, jamais fez meia-volta. Sente um mal-estar, não físico, e sim uma ponta de ansiedade e estranheza. Resolve por instinto dar meia-volta, acelerar o passo e dobrar umas esquinas, para terminar o treino logo. Só que as ruas e praças são as mesmas, pouco importando se dobre à esquerda ou à direita. E os vendedores de jornal, com seus bigodes, parecem gêmeos.

O coração dispara; sente que, caso caminhe, não chegará a lugar algum, mas correr pouco ajuda, pois o prédio onde mora não aparece. Luta por não reconhecer o óbvio: está perdido.

Perde o fôlego. Senta-se junto ao meio-fio, envolto por garrafas d´água vazia e papéis de sanduíche, em frente a uma padaria, a qual reconhece ter passado em frente várias vezes durante o treino. Junto ao balcão o dono, de bigodes, idêntico aos donos de banquinha, lê o jornal.

Tenta se levantar, mas suas pernas resistem. Acredita ter corrido por horas, porém o sol não saiu do lugar nem as pessoas estão na fila do ônibus. Entra em desespero, pelo risco de nunca mais se livrar daquelas ruas e praças. E o que pode fazer para se salvar, tão insignificante e minúsculo ante a malha viária da cidade?

Começa a chorar baixinho, feito criança, misturado ao lixo em frente à padaria.

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