7:25Bem Querer

por Fernando Muniz 

– É egoísmo seu, mãe! Me deixa em paz! Tenho esse direito! – a porta do quarto é fechada com força.

– Eu faria isso por qualquer pessoa. Muito mais por um filho. E que diabo de direito é esse? Nunca ouvi falar – pensa no ex-marido, aquele banana que nunca fez nada por eles; bem que poderia estar presente numa hora destas.

– Sei o que é ser feliz, mãe. Eu sei. Já vivi bem. Agora, se eu não posso ser quem eu fui, não quero mais. Por que você faz isso comigo?

– Você vai lá porque é assim que tem que ser. Enquanto eu estiver viva, enquanto eu tiver discernimento das coisas, você vai – remexe a bolsa, atrás do talão de cheques, caso a corrida de táxi seja muito alta.

– Vou lá obrigado, você sabe. Saio de lá super mal, é insuportável. Prefiro largar mão.

– Mas ora essa, que absurdo! Tanta gente em situação pior, agarrada a cada fio de esperança e o beleza aqui larga os betes na primeira dificuldade.

– Primeira dificuldade? É irreversível!

– Mas administrável.

– É doloroso!

– Mas tem jeito.

– Não tem jeito! Não quero! Sou maior, vacinado e…

– Nunca namorou, nem faculdade terminou! Maior de idade… só na certidão de nascimento – desfere o golpe final; está cansada de tanto insistir. Se a birra continuar, vai deixá-lo se contorcendo.

Vai até a cozinha, atrás de um copo d´água. Suas energias estão no limite; largou o emprego, o noivo, as amigas, para lutar pelo filho. Que não quer viver.

O médico já disse que ele tem idade para fazer uma escolha como essa. Está de mãos atadas até que ele entre em coma. Só que o “óbito” pode vir a qualquer momento. Sente um vazio no peito, uma gastura.

Vida não vivida, a dele. Sem desfrute, gozo ou deleite. Sem mistérios desvendados. Sem deixar pegadas neste mundo. Apesar de ter a chance de se tratar, não quer. Ela não entende a recusa. Ele também não, teimoso que é. Não explica o motivo, não dá qualquer razão. Apenas a xinga, vira-se de costas e se enfia embaixo das cobertas.

– Não me conformo… – fala entre os dentes, enquanto um frio a envolve. Nem lágrimas saem mais.

Volta a bater à porta do filho. Silêncio. Desespera-se. Dá murros. Nem se importa com a vizinhança. Grita o nome dele como se soltasse um uivo, tal qual bicho.

Agarra o trinco, sem qualquer esperança; o rapaz roda a chave.

– Vamos, mãe, nessa porra de hemodiálise. Você venceu.

– Venci? De jeito nenhum – enxuga as lágrimas, busca se recompor enquanto um sorriso brota no canto da boca.

– Nós é que deixamos de perder.

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