8:31A primeira vez

por Marcius Melhem

Nunca fui bom de primeira vez.

Logo na chegada ao mundo –coisa que não tem sequer segunda vez– já foi sofrido. Dei trabalho, fui tirado a fórceps, e provoquei uma briga de 21 anos entre meus pais.

Explico: cheguei antes da hora, meu pai estava trabalhando, e até se livrar para chegar ao hospital, minha mãe ficou lá sozinha. Essa mágoa voltava em qualquer discussão do casal.

– Consegue pegar as crianças na escola pra mim?

– Hmmm, não vai dar.

Demorou, mas depois de duas décadas a sensatez se fez presente e eles nunca mais brigaram por isso. Se separaram.– Sabia. Se nem no parto você tava quando eu precisei…

Meu primeiro beijo também foi um vexame. Mesmo praticando bastante no espelho, treino é treino, jogo é jogo. Lá pelos 11 anos, numa festinha na rua, dançando coladinho, o momento chegou. Suei frio, respirei fundo e fui. Pra minha falta de sorte a menina também tinha respirado fundo.

– Você tá com remédio de piolho?

Eu estava. Tentei explicar que já estava no fim do tratamento, que não havia mais bichos andando na minha cabeça, mas a garota zelava mais pelo seu cabelo longo do que pelo nosso relacionamento ainda nascente. Fugiu na hora.

A primeira transa foi tão traumática que preferi continuar me declarando virgem. Achei menos vergonhoso.

Uma colega de escola com quem já rolava um clima foi lá em casa me ajudar porque eu era péssimo em geografia. A coisa se encaminhou e na hora H eu provei que era realmente péssimo em geografia. Não sabia onde ficava nada, e quando me achei já tinha perdido a garota.

Na primeira vez que meu pai me deu a chave do carro, deixei ele (o carro, não o pai) cair num barranco. E eu nem dirijo. Só ia ouvir um jogo de futebol no rádio.

O primeiro banco em que eu tive conta faliu. No meu primeiro voto não elegi ninguém. Pior, o Brasil elegeu o Collor.

Dá pra imaginar meu desespero com esta primeira coluna? Entre o convite e a entrega do texto, apenas dois dias. E eu com esse histórico maravilhoso.

Justo no jornal em que escreve Elio Gaspari. Na mesma Folha em que eu, ainda estudante de jornalismo, lia Otto Lara Resende.

Ao menos me conforta saber que nesta primeira vez nenhum leitor vai despencar num barranco, arrumar uma briga de 21 anos, transar mal ou pegar piolho. Pode ser que ainda elejam o Collor, mas aí eu não tenho nada a ver com isso.

*Publicado na Folha de S.Paulo

Até domingo

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2 ideias sobre “A primeira vez

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