19:13Ser ou não ser jazz

por Ruy Castro

Em matéria de centenários em 2017, sai o do samba e entra o do jazz. Este, não se discute, está fazendo mesmo 100 anos. Mas o que era o jazz em 1917?

A palavra já era aplicada à música desde, pelo menos, 1915. Mas, então, “jazz” não se limitava a descrever um gênero musical ainda de fraldas, sem voz e sem rosto. Estava muito mais perto de sua origem, a gíria “jism”, significando força, energia, vigor, coragem, virilidade, tesão —que evoluiu para “jizz” e, quando chegou a “jazz”, já queria dizer festa, farra, agitação, azaração, orgia.

Daí que, em 1922, quando F. Scott Fitzgerald lançou seus fabulosos “Contos da Era do Jazz”, o jazz do título não tinha a ver com a música, mas com a forma com que, para Scott, aquela década já se desenhava: a “era da zorra” —uma sarabanda de vanguardismos, desobediências, automóveis, saias curtas e birita, ao som de ritmos rápidos e sincopados, que levavam todo mundo a dançar: o charleston, o shimmy, o black bottom.

Em 1925, quando gravou seus primeiros discos como líder, Louis Armstrong não tocava nenhum desses ritmos. Tocava a música de New Orleans e Chicago, que, só aos poucos e lentamente, começaria a transferir algumas de suas características para os cantores e orquestras populares. Somente no fim da década aquela música, tocada também por Earl Hines, Sidney Bechet, Bix Beiderbecke, se cristalizaria como o “jazz” que, a partir dali, todos iriam reconhecer.

E teria sido assim para sempre se, por volta de 1945, Charlie Parker e Dizzy Gillespie não lançassem o bebop, que deitaria as bases para quase todo o jazz do futuro. Era o mesmo jazz, só que diferente. Mas, para puristas radicais, como Vinicius de Moraes, Sergio Porto, Fernando Sabino e muitos mais, aquela nova música não era jazz. Para eles, jazz era o de 1925. Ou o de 1917.

*Publicado na Folha de S.Paulo

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