17:14A volta da empada letal

por Ruy Castro

Em matéria de piriris —a autêntica fast food brasileira—, cada região tem suas especialidades. Os baianos se orgulham de seus acarajés, os mineiros, de seus torresmos, e por aí vai. Os cariocas, sempre firmes na defesa dos botequins sórdidos, também têm a sua baixa gastronomia: o pastel de vento, o ovo colorido e a sacanagem (um espetinho de salsicha, azeitona e queijo, pornograficamente grudados uns nos outros). Mas, no Rio, tudo cala diante da empada que matou o guarda.

Nenhum outro petisco consta de tantas crônicas e teve gente tão ilustre —Nelson Rodrigues e Carlos Heitor Cony, entre outros– a narrar sua façanha. Façanha esta que, segundo os anais, só aconteceu uma vez, mas fez com que, desde então, no Rio, até a empada mais pura de qualquer pé-sujo seja chamada de empada-que-matou-o-guarda. E isto porque, num dia dos anos 60 —reza a tradição oral—, um guarda municipal, a serviço no Catete, entrou num botequim e pediu uma empada que viu no balcão.

Bastou-lhe uma mordida. Em instantes, enxergou tudo preto, girou sobre si mesmo e caiu duro, ali, na calçada. A história não registrou o nome do guarda, nem do português que lhe serviu a empada e nem mesmo o conteúdo desta –palmito ou camarão? Só se sabe (e sei disso por Cony) que o botequim ficava perto do velho cinema Politheama, no Largo do Machado.

Com as desastradas denúncias da Policia Federal sobre a honestidade dos nossos frigoríficos, o Brasil está se sentindo aos olhos do mundo como o fabricante da empada que matou o guarda. Talvez o empadário do infeliz portuga fosse impecável e aquela, a única empada letal. Não importa. Ela estava à venda e alguém morreu ao comê-la.

Que se saiba, nossas empadas ainda não mataram ninguém lá fora. Mas, por muito tempo, o mundo vai querer distância delas.

*Publicado na Folha de S.Paulo

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