6:36Milton Ivan Heller, adeus

A notícia veio pela rede social: morreu o jornalista Milton Ivan Heller. Recebi-a ontem à noite, pouco antes de dormir, passada por quem navega na internet. Quem enviou foi outro amigo – e também jornalista, Jaime Lechinski. Se conheciam do tempo em que o Jornal do Brasil tinha uma sucursal que, com uma equipe excepcional de repórteres, só nos faz ter saudade dos anos 70 e início dos 80. Hoje não há mais nada, apenas recordações. Heller é o responsável direto pela vinda do signatário para a capital da província. Era repórter da sucursal da revista Placar, atleticano até a medula, como só aconteceu desde que a revista foi fundada em 1970 e encerrou as atividades semanais vinte anos depois. Recebeu o convite para fazer parte do time do jornal carioca. Foi sem pestanejar. Em São Paulo o diretor Jairo Régis abriu espaço para o estagiário. Salvação da lavoura, pois estava casado, com o primeiro filho a caminho e ganhando o piso. Seis meses antes da mudança, conheci quem iria substituir quando cobri férias dele. Conheci da melhor maneira: fui à sua casa, na Vila Hauer ou perto dali, onde tinha um quintal enorme e, surpresa para quem morava num porão na Moóca, na zona leste de São Paulo, criava galinhas que, quando vi, ficavam soltas no enorme terreno do outro lado da rua. Fotografei o galo – e mantenho no arquivo os slides daquele belo encontro. Milton Ivan sempre foi de briga. Pelo que entendia de justiça ao ser humano. De esquerda? Sim. Romântico? Sim. Corajoso? Bota coragem nisso. Foi perseguido pelos gorilas da ditadura militar e sobreviveu na batalha. Escrevendo, porque a arma que tinha era essa. Além da Placar e do Jornal do Brasil, passou pelas redações do Estado do Paraná, Diário da Tarde, O Dia, Diário do Paraná, Rádio Cultura, Panorama, sucursal do jornal Última Hora, Rede Globo de Minas Gerais. Encerrou a a carreira em 2001. Encerrou? Quando lhe fecharam as portas das redações, por ter convicção e, pecado dos pecados para os obtusos do outro lado, pertencer ao Partido Comunista do Brasil, foi vender livros de porta em porta para sustentar a família e, quando os militares voltaram aos quarteis, se debruçou sobre a história que conhecia e dá-lhe escrever livros. A saber:  “Conspiração Nazista nos Céus da América”, “Os Índios e seus Algozes”, “Valmor Weiss: o Prisioneiro da Cela 310” e “Atualidades do Contestado”. Sócio do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, ele foi homenageado  pela Câmara Municipal de Curitiba em março de 2014 com o “Prêmio Cultura e Divulgação”, proposto pelo também jornalista e então vereador Jorge Bernardi. Tinha 82 anos. No dia seguinte lançou, na Biblioteca Pública do Paraná, o livro “A CIA e a Quartelada – os 50 Anos do Golpe de 64”. No último telefonema, convidou seu sucessor na redação da sucursal da Editora Abril para uma festa de aniversário. Naquela noite o céu se abriu e caiu um dilúvio em Curitiba. Não pude ir. Ontem ele partiu. Está sendo velado e será enterrado hoje às 17h no cemitério Jardim da Saudade. Amém.

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6 ideias sobre “Milton Ivan Heller, adeus

  1. Bittencourt

    Zé: queria escrever umas duas ou três frases bonitas pro Milton Ivan. Dessas que a gente busca lá no fundo do dicionário da memória, só para essas ocasiões. Mas me vem à cabeça um ríspido: “porra, véio, que merda heim?” Era assim, num misto de indignação e bom humor que ele se referia a uma ala do time do Atlético, quando nos encontrávamos. Era um tal de criticar a ala direita, o ataque ou o goleiro. E assim desfiávamos as nossa agruras rubro-negras.
    Tive a honra, desde piá de redação, de ser seu parceiro de mesa. Sempre dava uma dica sobre o trabalho. Ao longo dos anos sempre uma amizade cordial e muitos cafés, ali na Boca Maldita, quando ele aparecia, às vezes, aos sábados.
    Sobre essa sua partida quero dizer assim: “porra véio, que merda, heim?”
    Milton, um grande jornalista e um bom amigo.

    * * * * *
    Mas como não lembrar das coisas divertidas do Milton? A melhor delas, com certeza, foi a do dia que o Atlético foi campeão, em 1970 – depois de muitos anos, lá em Paranaguá. O Milton era o chefe da editoria de esportes da Tribuna, e resolveu ir ao jogo, acompanhando repórteres e fotógrafos. E lá se foi ele, serra abaixo.
    Jogo encerrado, o time campeão a festa foi demais, e ele, de roldão, foi se empolgando e pulando de roda em roda, de abraço em abraço. Quando deu por si, e pelo trabalho que esperava na redação, já passava da meia-noite.
    Ainda bem que a turma da retaguarda imaginou a situação e tratou de fechar a edição. Ele só foi para o jornal no dia seguinte. E com a faixa de campeão!

    Outra, para a memória da Comunicação. Na redação do Diário do Paraná, já no prédio que hoje abriga a Tv Educativa, no antigo Canal 6, estavam a conversas o Milton, o Carneiro Neto e o Dias Lopes, quando entrou uma repórter estagiária, voltando de uma entrevista. Bateram o olho na moça, uma magrela, mas bem magrelinha mesmo e sapecaram: parece a Fifi. A Fifi era a cadelinha de estimação da Marocas, a mulher do Pafúncio, personagem das tiras e quadrinhos, e que era representada apenas por um risco, com duas orelhinhas e uma espiral à guisa de cauda.
    E ali selaram o destino da moça. Faz 40 anos que a jornalista Rosimeire Tardivo virou Fifi. Atuou na Gazeta Mercantil por anos, na Prefeitura, no Governo e por aí nesse mundão de Deus com o codinome Fifi, devidamente cravado pelo Milton.

  2. Parreiras Rodrigues

    O Bita falou por mim e por uma porrada de amigos e fãs do Miltão. Mas, não custa repetir: Porra, véio, que merda, hein!

  3. Raul G. Urban

    Começo a quinta-feira no estúdio da Rádio Trânsito, dentro do Centro de Controle Operacional URBS/Setran, na Rodoferroviária. Abro os sites, links, o diabo e mais, e me dou conta, aqui, da morte de um dos mais honrados jornalistas com quem convivi nos meus quase 50 anos de profissão- que completo em abril do ano que vem. Conheci Milton Ivan na aurora da minha vida como jornalista, ainda estudante de Jornalismo na antiga Universidade Católica do Paraná – ali onde era o Colégio santa Maria, na Rua XV. Era 1968, segundo-anista, aluno de outro monstro sagrado que também nos já deixou, Mussa José Assis, então professor de Diagramação. Milton era um pouco de tudo naquela sagrada redação do Estadinho, na Barão do Rio Branco: repórter, editor, fazedor de ídolos esportivos – como maravilhoso atleticano!; sabia xingar, sim, mas era um xingamento quase lúdico, ao tentar corrigir os pequenos erros que nós, novatos, cometíamos no fazer a notícia à frente das heróicas máquinas de escrever Olivetti 80. Lembro – e faz tempo – o dia em que Milton trouxe à redação alguns escritos que se transformariam em um de seus tantos livros que contam a História do Brasil de forma quase suicida, porque condenada pelo regime então vigente. Mostrou os escritos não só a mim, mas a outro heróico escriba que, aliás, não vejo há séculos; só leio seus comentários na página do leitor da Gazeta: Jaques Brand. Jaques, aliás, continua tão ou mais inflamado do que nos velhos tempos de nossa “aurora profissional”, discípulo certamente mais que puro do nosso Milton, que agora se foi.
    Já “aposentado” (ele odiava ouvir isso), mas no correr dos últimos anos com mais tempo para andanças pela city, no alto de sua idade (mesmo após ter perdido sua fiel esposa que tanto amou e que soube, com dignidade, acompanhá-lo nos duros anos da ditadura), encontrava Milton, bem como tantos outros (viu, Bitta?), mais raramente na Boca Maldita; mais regularmente, fazendo compras miúdas no Mercadorama da Praça Osório, cabeça coberta pelo boné de leiteiro, os óculso grossos deixando entrever a idade que, para ele, em nada pesava quando falávamos da criação de um novo projeto editorial.
    Gente….. mesmo na Prefeitura, Milton foi um desses ícones que fazia o papel de comandante, de piloto, navegando-nos pelas águas muitas vezes turvas, mas que levavam à baía cristalina da informação. Foi lá, na Prefeitura, que soube fazer dobradinha com uma também brilhante, e hoje desaparecida, amiga de todos nós – e que voltou há anos ao nascedouro, no Maranhão: a jornalista Irma Hellen.Lechinski, o bom e velho de guerra Luís Júlio Zaruch, mesmo o já há muito esquecido Silveirinha – incluo-me, propositalmente, no rol dos mais velhos com que Milton labutou na redação da PMC também. No Estadinho, tínhamos os hoje já desaparecidos Gilberto Ricardo dos Santos, Gilberto Mezzomo, o já mencionado Mussa,mas também Cícero Cattani – que está aí hoje com seu blog. Milton, enquanto atleticano, certa vez, na Barão do Rio Branco,fez todos nós sermos partícipes de uma Grande Aula sobre a importância do glorioso Clube Atlético Paranaense – quando o clube era não mais que o Estádio Joaquim Américo, acanhado com suas arquibancadas de madeira, mas sempre valoroso. OK, podíamos nem todos muito gostar de futebol. Mas como não acompanhar também os pitacos do comum amigo Carneiro Neto, então um dos expressivos nomes esportivos muito à vontade na equipe esportiva da Rádio Guairacá, que ficava no andar superior, e onde fazia dobradinha Com Machado Neto e outros monstros sagrados, como Albenir Amatuzzi?
    O Milton escrevedor…. lastimavelmente não tenho em mãos todos os livros de sua autoria. Ma, certamente, cinco ou seis. O último, ainda, me foi graciosamente encaminhado, via correio, há cerca de um mês – mais um documento soberbo sobre os anos de chumbo. Fiquei de passar no apê dele, nos próximos dias, na Rua Francisco Rocha,para presenteá-lo com uma coletânea poética de minha autoria, ainda inédita, a ser lançada em data e local a definir. Chama-se “Cabelos Molhados ao Sul de Abril”. Milton sabia do livro, porque me viu escrever a primeira poesia na noite de 13 de dezembro de 19698, na redação do jornal, quando, involuntariamente, todos ficamos 24h de plantão por conta da edição do Ato Institucional número 5 – e que iniciou oficialmente o período dos Anos de Chumbo. E, por uma dessas ironias, foi a ele que primeiro eu disse ter terminado o livro, em 21 de abril de 1986, um ano após o falecimento de Tancredo Neves – data que culminou com o processo de Redemocratização (em 1985).
    O que dizer nesta quinta-feira, 23 de março de 2017, poucas horas após o desaparecimento de quem soube trazer na alma e no espírito a honradez, o sempre grande instante da vida, a lição certa para nós, eternos aprendizes? Milton, te vai em paz! Saberemos honrar tua carreira, frutos que somos do teu ensinamento! Um forte abraço!!

  4. Raul G. Urban

    Apenas uma correção – por uma falha de digitação, no último parágrafo, ao aludirmos à edição do Ato Institucional número 5 – a data correta é 13 de dezembro de 1968 – e não 19698, como consta. Tínhamos também, naquela época, no Estadinho, um outro amigo que soube ser um marco jornalístico que todos nós – de Milton Ivan aos mais novatos – sabíamos honrar: Aramis Millarch.

  5. Raul G. Urban

    Apenas uma correção – por uma falha de digitação, no último parágrafo, ao aludirmos à edição do Ato Institucional número 5 – a data correta é 13 de dezembro de 1968 – e não 19698, como consta. Tínhamos também, naquela época, no Estadinho, um outro amigo que soube ser um marco jornalístico que todos nós – de Milton Ivan aos mais novatos – sabíamos honrar: Aramis Millarch. Mais uma coisa que quase esqueço: o convívio com Milton na redação da então sucursal curitibana da Folha de Londrina, na Praça Osório, no andar superior à falecida Confeitaria Iguaçu, onde também estavam Luiz Geraldo Maza, sérgio Maluf e a sempre querida e lembrada Rosierene Gemael.

  6. Célio Heitor Guimarães

    Milton Ivan Heller era um dos últimos mastodontes vivos da imprensa paranaense. Do tempo em que jornalista sabia escrever, tinha onde escrever, o que dizer e dizia com conteúdo e qualidade. Além do que, era uma extraordinária figura humana. Reto de caráter, com posições definidas e uma vida digna até o fim. Será uma ausência que jamais será preenchida, mas também um nome que precisará ser lembrado, como exemplo, pelas novas gerações que ainda insistem em lidar com as letrinhas e levam a escrita a sério.
    Nos idos de 2001, quando Milton Ivan lançou o livro “Memórias de 1964 no Paraná”, fiz uma pequena resenha em O Estado do Paraná, intitulada “A ditadura, de cabo a rabo” (ele adorou o título), que aqui transcrevo em homenagem ao grande Milton:
    “Li num golpe só (o termo é próprio), como já o fizera o nosso Mussa José Assis, que também assina o prefácio, “Memórias de 1964 no Paraná” (Coleção Brasil Diferente, patrocinada pelo Governo do Estado), de Milton Ivan Heller e Maria de Los Angeles G. Duarte, dois jornalistas que honram a profissão. Um belo trabalho de pesquisa e registro histórico, sem dúvida.
    “Mais precioso ainda se torna se considerarmos que a meninada de hoje sequer sabe que no Brasil já houve, um dia, um governo que teve a ousadia de regulamentar a remessa de lucros das empresas estrangeiras para o exterior, tabelar os aluguéis, policiar as anuidades escolares, disciplinar o comércio do livro didático, dos medicamentos e dos gêneros alimentícios, aumentar o salário mínimo em 100%, estimular os sindicatos, fomentar o mercado interno e fortalecer o empresariado nacional, além de traçar planos para uma reforma agrária efetiva e diversificar as relações diplomáticas e comerciais do País, inclusive com as nações do Leste europeu.
    “Claro que esse governo precisava ser derrubado, pois só poderia ser ‘subversivo’ e fazia mal à saúde. E isso foi feito pelas forças armadas, com o apoio da ‘sociedade’, das ‘pessoas de bem’, dos ‘democratas’ – a elite, enfim – e do Grande Pai Branco de Washington.
    “Isso foi em meados da década de 60. E tivemos de empurrar goela abaixo, durante mais de 20 anos, uma perversa ditadura militar que, além da liberdade, privou pelo menos duas gerações de uma série de ‘privilégios’ essenciais ao ser humano, aí quase incluindo a capacidade de sonhar.
    “No Paraná, embora até então um Estado basicamente agrícola e sem maior expressão política no cenário nacional, os males não foram menores. Lideranças emergentes foram cruelmente sacrificadas e a subserviência aos novos donos do poder chegou a ser, muitas vezes, mais do que obscena.
    “Este é um passado que não deixou nenhuma saudade. Mas nem por isso deve ser esquecido. Pelo contrário, precisa ser preservado para a posteridade, a fim de que não mais se repita.
    “Assim pensa a jovem repórter Maria Duarte. E assim pensa, sobretudo, Milton Ivan Heller, brilhante jornalista, pesquisador e também historiador, com mais de 40 anos de batente, com uma capacidade profissional e dignidade pessoal raras no meio. Ele que, como tantos outros companheiros, viveu de perto as arbitrariedades e a violência cometidas a partir de abril de 1994, fala com conhecimento de causa. E, como diz o já citado Mussa José Assis, conta a história. ‘Com agá maiúsculo’.
    “Milton Ivan, com quem tive o privilégio de trabalhar no velho O Dia, na velha Última Hora e aqui mesmo em O Estado do Paraná, e que depois andou pelo Jornal do Brasil, O Estado de S. Paulo, Jornal da Tarde, revistas Placar e Panorama e Rede Globo de Televisão, já nos brindara, em 1988, com outro trabalho de igual fôlego (hoje esgotado): ‘Resistência Democrática – A Repressão no Paraná’, co-editado pela Editora Paz e Terra e Secretaria da Cultura do Paraná. Um registro de quase 700 páginas ‘de sofrimento, de luta e de esperança’, como acentuou, na ocasião, o então Secretário de Estado da Cultura, René Ariel Dotti.
    “Agora está de volta. Com novo e importante livro-documento, que deve ser lido por quem vive e quer bem esta terra e se interessa pela História do Brasil. E merece se fazer presente nas bibliotecas das escolas deste País.
    “Você pode, até, não concordar com alguns conceitos contidos no livro – como é o meu caso, em relação a um ex-poderoso e rotundo personagem, recentemente falecido -, mas precisa conhecê-los.
    “Eu só não entendo como um jornalista decente, experiente, lúcido e que sabe escrever, como Milton Ivan Heller, esteja hoje afastado das redações. Ou entendo?…”
    Segue em paz, velho guerreiro.

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