19:20ZÉ DA SILVA

O Galaxie passou e todos os ocupantes estavam à mostra. O teto e as portas tinham sido arrancados. Eles cheiravam lança ou loló. Estavam atravessando a ponte entre Recife e Olinda. O mar naquele fim de tarde estava calmo. O povo, não. Carnaval. Achei que aquilo não podia dar certo. Multidão alucinada, bate-bate correndo de mão em mão. Bate na cuca – cachaça com fruta, leite condensado e seja o que deus quiser. Olhos arregalados, me protegia encostado na mureta. Talvez ali tenha se espatifado e partido o resumo de tudo o que via e sentia ao som das bandas de frevo. O menino Chico. O da Lama, o do Caos, o do Mangue. O da Nação Zumbi. Maracatu Atômico. Energia denunciando, dançando, flutuando, enraizando. Fui atrás, subi ladeira, fiz o sinal da cruz na frente da igreja centenária. Me entreguei durante três dias e três noites. Não vi briga, discussão, nada. Apenas alegria, no compasso que conduzia os passos de gente espremidas, mas sem jamais perder o desenho da coreografia natural. A da vida. Anos mais tarde a morte chegou para o Science. Naqueles dias uma menina brotou da semente. Negra. Poeta à procura de um sentido. Sempre. Porque assim é a grande experiência.

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