18:25ZÉ DA SILVA

O som e a fúria entraram sem pedir licença. Três da manhã de uma madrugada quente e abafada. As notícias sobre eles eram antigas, guardadas na memória e, por isso mesmo. barreira para abrir o livro. Graham Greene. Ao ligar a tela enorme e plana lá estava o começo do filme homônimo, com uma citação de Shakespeare, em Macbeth. Avassalador não seria a palavra certa para o que o diretor, roteirista e ator principal James Franco interpretou e filmou. Quem não fala, por incapacidade mental, diz como narrador. Sufocado pela carga emocional, desliguei. No escuro veio a cobrança. A porta do quarto aberta e a do banheiro, em linha reta, também. O olhar ficou ali, num quase nada de luz que vinha de fora da casa através de uma janela. O passado e o presente como juízes de um tribunal a me condenar com fatos esclarecedores. Veredito: sou uma mentira! Me encolhi na posição fetal e a amargura verteu em lágrimas. Seis da manhã, olhos fixos, a incapacidade de virar o corpo, sair da cama e tentar ver os primeiros raios do dia. Errei, não fiz nada que preste na vida, feri pessoas, sou uma enganação – principalmente a mim mesmo. Um cachorro latiu na rua. Aproveitei. Saí. Abri o chuveiro na tentativa de me limpar por dentro. Água fria. O gosto amargo na boca saiu com o do gosto de uma pasta de tubo preto. Água pra beber. No quintal da casa, brisa fresca e uma minúscula lua que puxou o rosto na direção do céu. Cowboy Jorge estava lá. Café preto. Um jornal no gramado. Notícias tristes. Serenidade retomando e, com ela, a certeza de que as chicotadas na alma fizeram bem. O chão do escritório, cheio de migalhas de pão de vários dias, foi limpo. Olhei os livros na estante. Nada de O Som e a Furia. Agora vou ler.

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