9:07Em Curitiba

por Fernando Muniz

        Entra na farmácia porque precisa de um aparelho de barba, no meio daquela tarde cinza, de um mormaço irritante, sem flores. Apesar das explicações do vigia perde-se entre as gôndolas de cosméticos e de xampus. O que a faz rir.

Diz ser da Colômbia. Por certo não é daqui. Põe as mãos nos bolsos da calça de veludo, um tanto gastas, atrás de algo, um tanto encabulado.

Coisa difícil de acontecer, isso de ela rir para estranhos. Sensação que a espanta e deixa suas bochechas rosadas.

Hora de pagar. O homem continua a fuçar os bolsos e, entre os trocados, encontra um cartão de visitas, amarrotado. Sabe-se lá se é dele mesmo. Tem nome, endereço e telefone. Tudo estrangeiro. Mas não importa. Ela pega o papel, meio sem jeito e diz que sai com ele depois do expediente.

– Por que não? – pergunta ao vento e à foto da Nossa Senhora nos fundos da loja, meio levada pelo impulso, ainda mais com um freguês tão estranho. E gringo. Ou parece ser. Mas ela não está nem aí. O mundo está cheio de estranhos. E ele a fez rir.

Seguem para um restaurante barato, próximo à praça Tiradentes. Apesar do acanhamento daquele lugar, ele a trata feito rainha. Puxa a cadeira para ela sentar, todo cheio de mesuras. E palavras engraçadas, meio português meio outra língua qualquer, palavras eu ficam mais engraçadas ainda depois de uns goles de um vinho forte feito sangue. Os olhos dele, fixos como um peixe, a deixam envergonhada.

Saem tarde dali, rumo a casa dela, que fica perto. Sem explicações ou dúvidas, somente a noite fria e o céu sem estrelas os embala.

Apesar do pileque, ele continua gentil, parece que com vergonha de olhá-la enquanto se despem. Mesmo que o mundo acabe naquele instante ela não ficaria triste. E se deita sobre ele.

Carícias, beijos, até que ele começa a admirar os pés dela.

– Divinos!

Chupa os dedos, um a um, falange a falange. Um calorão toma conta dela, e, curiosidade feminina, pensa em perguntar onde ele aprendeu aquilo. Mas desiste. Assim como pensa, deixa de pensar. Porque ele continua, sempre avante, sem parar, sem pressa, sem pudor. Beija tudo, por tudo, de baixo para cima. Até o pescoço. Que aperta com as mãos fortes, de estivador. Ela não se importa. Mesmo que o mundo acabe naquele instante.

Ele afrouxa o garrote. Ela, ali, formosa e azulada, coberta pela luz fraca do neon que invade o quarto pela janela, parece as Virgens Marias de sua terra natal, penduradas nos tetos de igrejas.

– Imaculada, novamente! Como nunca deveria ter deixado de ser! – sorri, em júbilo.

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