19:28Andrea Tonacci, adeus

Da Folha.com

Diretor do cinema marginal, Andrea Tonacci morre aos 72 em São Paulo

O diretor italiano radicado no Brasil Andrea Tonacci morreu na tarde desta sexta (16), em São Paulo. Ele tinha 72 anos e lutava contra um câncer de pâncreas.

Tonacci era um dos expoentes do chamado cinema marginal, geração de diretores que despontou na virada dos anos 1960 para os anos 1970 sob a censura da ditadura militar e como reação ao intelectualismo extremo do cinema novo.

O primeiro curta data de 1965, “Olho por Olho”, filme que tem jovens zanzando de carro pelas ruas de São Paulo e falando sobre frivolidades.Nascido na Itália, em 1944, Tonacci migrou para o Brasil aos 9 anos de idade. Apesar de cursar engenharia e arquitetura, largou a faculdade no último ano quando decidiu trabalhar com cinema.

É dessa época também um dos longas mais famosos de Tonacci, “Bang Bang” (1971), também conhecido pelas cenas em que o ator Paulo Cesar Pereio traja uma máscara de macaco. No filme, o ator interpreta um sujeito delirante que foge de tipos excêntricos.

Rodada em Belo Horizonte, a obra insólita pode ser interpretada como alegoria à falta de saídas diante do recrudescimento da ditadura. O filme foi exibido no Festival de Cannes.

Outra de suas obras que cutucam a ditadura é o curta “Bla Bla Bla”, de 1968. Nele, o ator Paulo Gracindo faz um ditador demagógico –o filme satiriza o discurso travestido de humanismo que saía da boca dos governantes militares da época.

No livro “Cinema de Invenção” (Azougue Editorial), o jornalista e cineasta Jairo Ferreira chega a a descrever o longa como “um esplender da forma, um vulcão de criatividade”, e o compara a obras como “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de Glauber Rocha, e a “O Bandido da Luz Vermelha”, de Rogério Sganzerla.

PRODUÇÃO BISSEXTA

Dono de uma produção bissexta, Tonacci penou para produzir seus filmes a partir dos anos 1970 por causa de falta de financiamento, o que foi se repetir ao longo das duas décadas seguintes.

O cineasta só foi voltar aos holofotes em 2006, com o premiado documentário “Serras da Desordem”, sobre um índio que sobrevive ao massacre de sua tribo e vai parar em Brasília.

Nesse longa, quem leva Carapiru à capital federal é o sertanista Sydney Possuelo, o que dá ensejo a uma peleja entre antropólogos e historiadores que discordam entre si sobre a origem do nativo.

“Tonacci fez alguns dos filmes mais belos do cinema brasileiro, além de ter tido um desenvolvimento como ser humano que chegou ao sublime”, diz a atriz e diretora Helena Ignez. “Tínhamos uma amizade de quatro décadas. Ele está além de críticas. Quem o conheceu sabe de sua luz extraordinária.”

Para o diretor Paulo Sacramento, Tonacci é “uma referência absoluta”.

Ele completa: “Vivemos uma época em só se faz filme com o dinheiro dos editais, e você acaba formatando seu cinema ao que os editais querem. Ele preferia não inscrever [nos editais os filmes] a mudar sua consciência do que era o cinema, o motivo pelo qual fazia cinema, que era uma coisa existência”.”Fez poucos filmes, mas todos com uma precisão muito grande. Tinha uma trabalho muito particular”, diz. “Além de tudo, era uma referência na postura ética, um cara que não abriu mão de nada por um centímetro.”

Para Sacramento, seu interesse pelos índios nas últimas décadas refletia um de seus traços da personalidade: a de ter um “tempo muito particular”.

“O Andrea tinha um distanciamento dessa loucura em que a gente vive hoje em dia”, conta.

XAMANISMO

No ano passado, o cineasta lançou seu último longa, “Já Visto Jamais Visto”, após nove anos sem filmar.

Para a obra, o italiano revisitou imagens filmadas ao longo de toda a carreira: viagens de família, bastidores de filmagens, cenas de suas produções e filmes que nunca chegaram a ser concluídos

Restaurou 15 horas desse material graças a um edital vencido em 2012, após três tentativas fracassadas de inscrever novos projetos em editais ­de financiamento.

Tonacci foi homenageado no começo deste ano pelos 50 anos de carreira no Festival de Tiradentes, que exibiu uma retrospectiva de seus filmes e abriu com “Serras da Desordem”, que havia estreado justamente nessa mostra dez anos antes.

Na ocasião, ele contou que tinha pavor da página em branco e de colocar as suas ideias no papel, na forma de roteiro, e comparou o ato de fazer cinema com o xamanismo.

“Porque você não está fazendo para o mal do mundo”, explicou. “Você está querendo para um equilíbrio do mundo. Uma percepção, uma compreensão. E ela não é sua, porque é um ritual público.”

 

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