20:59Os idiotas tomaram conta de tudo

por João Pereira Coutinho

As mídias sociais estão inundadas por notícias falsas. E notícias falsas levam os leitores a atos tresloucados –um deles, informa esta Folhaentrou numa pizzaria de Washington e começou a disparar. Parece que a pizzaria servia de fachada para uma rede de pedofilia liderada por Hillary Clinton, diziam as “notícias”. Felizmente, não houve mortes.

Leio sobre este admirável mundo novo e penso em Nelson Rodrigues. Eu sei: ando obcecado por ele. Paciência. Sou obrigado a repetir aqui o que não me canso de escrever em todo lado.

Nelson Rodrigues é admirável por muitas razões: a beleza da prosa, as obsessões do autor, os aforismos fulminantes e aquela deliciosa “escrita corretiva”, que avança e recua ao sabor do pensamento –e das teclas da máquina.

Mas se tivesse que escolher um tema que ocupava e preocupava Nelson com a força de “uma tempestade de quinto ato de Rigoletto”, seria a emergência e a onipresença do idiota.

Escrevia Nelson que, antigamente, o idiota conhecia a sua própria idiotia. Sentia certa vergonha. Caminhando pela rua, encostava na parede e, com deferência, deixava passar quem não era idiota.

Mas certo dia houve um membro da espécie que ganhou coragem, subiu no caixote e resolveu testar a humanidade com as suas proclamações idiotas.

Surpresa: os restantes idiotas saíram dos seus buracos e constataram que o mundo era deles. Numericamente falando, as existências clandestinas não tinham razão de ser.

Os idiotas tomaram conta de tudo – governo, empresas, hospitais, universidades. E os outros, que não eram idiotas, passaram a fingir-se idiotas por medo dos verdadeiros idiotas.

Nelson Rodrigues escreve essa epopeia com a força e a beleza de um Wagner. E eu só lamento que nunca tenha existido um compositor e um libretista para levar ao palco esta ópera fortemente visual, visceral, universal. E mais contemporânea do que nunca.

Pode ser que as notícias falsas sejam o estímulo que faltava.

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