19:44Saudação aos que vão ficar

de Millôr Fernandes

Como será o Brasil 
no ano dois mil? 
As crianças de hoje, 
já velhinhas então, 
lembrarão com saudade 
deste antigo país, 
desta velha cidade? 
Que emoção, que saudade, 
terá a juventude, 
acabada a gravidade? 
Respeitarão os papais 
cheios de mocidade? 
Que diferença haverá 
entre o avô e o neto? 
Que novas relações e enganos 
inventarão entre si 
os seres desumanos? 
Que lei impedirá, 
libertada a molécula 
que o homem,
cheio de ardor, 
atravesse paredes, 
buscando o seu amor? 
Que lei de tráfego impedirá um inquilino 
– ante o lugar que vence – 
de voar para lugar distante 
na casa que não lhe pertence? 
Haverá mais lágrimas ou mais sorrisos? 
Mais loucura ou mais juízo? 
E o que será loucura? 
E o que será juízo? 
A propriedade, será um roubo? 
O roubo, o que será? 
Poderemos crescer todos bonitos? 
E o belo não passará a ser feiura? 
Haverá entre os povos uma proibição 
de criar pessoas com mais de um metro e oitenta? 
Mas a Rússia (vá lá, os Estados Unidos) 
não farão às ocultas, homens especiais 
que, de repente, 
possam duplicar o próprio tamanho? 
Quem morará no Brasil, 
no ano dois mil? 
Que pensará o imbecil 
no ano dois mil? 
Haverá imbecis? 
Militares ou civis? 
Que restará a sonhar para o ano três mil 
no ano dois mil?

*Publicado na revista “Pif-Paf” em 1964

Compartilhe

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.