7:07Não nos esqueçamos de ‘Rifle Comprido’

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Ken Parker, obra-prima de Berardi e Milazzo

por Célio Heitor Guimarães

Ao despedir-me publicamente dos quadrinhos, depois de quase setenta anos de paixão nem sempre correspondida, afirmei que, dos gibis, restou-me a companhia solitária do caubói italiano Tex Willer e de leituras esporádicas de Mafalda, Peanuts, Hagar e Asterix. Foi meia verdade. Esqueci-me de Ken Parker, outra preciosidade da “Velha Bota” europeia.

Ken talvez tenha sido o derradeiro grande herói do western norte-americano nos quadrinhos.Criado na Itália, em 1974, pelo argumentista Giancarlo Berardi (nascido em Gênova, em 1949) e pelo desenhista Ivo Milazzo (natural de Tortona, de 1947), para ser uma única edição especial, o “mocinho” agradou tanto que o editor Sergio Bonelli transformou-o em uma série independente, lançada em 1977, pela Editoriale Cepin (atual Sergio Bonelli Editore). As aventuras duraram até 1984 e foram compostas de 59 episódios e mais algumas edições especiais, com extraordinário sucesso de público e de crítica.

Kenneth Parker é um caçador de peles; às vezes, batedor do exército; outras, xerife ou detetive e até mesmo escritor. Está sempre pronto para enfrentar qualquer parada. Sem jamais perder a identidade, o idealismo, a generosidade e a elegância. Os tempos de conquista do Oeste selvagem são duros e violentos, mas Ken sabe bem como enfrentá-los. Ou, como diria Marcos Faerman, “as histórias de Ken Parker ora pendulam para um poema da natureza, com tons épicos, ora para o western intimista”.

Ele é um cavaleiro solitário, que está sempre chegando e partindo, não tem um local exato para ação e não compartilha com ninguém as suas aventuras, a não ser com o inseparável fuzil Kentucky de cano longo. Daí o apelido de “Rifle Comprido”, que dá título à primeira história.

— Ken é como se fosse um irmão  –  confessou, certa feita, Giancarlo Berardi.  Aliás, mais do que isso, ele é uma parte de mim, uma espécie de alter-ego, um espelho no qual por mais de 30 anos vi refletidos meus sonhos, minhas emoções, minhas ideias, minhas amarguras e minha esperança por um mundo melhor.

No Brasil, a saga de Ken Parker chegou em novembro de 1978, pela Vecchi, que publicou 53 volumes, até agosto de 1983, quando a editora fechou. Em janeiro de 1990, a Editora Best News retomou a série, mas não foi além de dois números. E os leitores brasileiros se viram privados do herói e das quatro últimas aventuras, que permaneceram inéditas. De forma esparsa e isolada, a Editora Ensaio ainda lançou uma edição especial de grande formato, com duas histórias: “Os Cervos”, sem texto e a cores, episódio inicial do ciclo “Il respiro e il sogno”, e “Um hábito de gelo”, extraída da série “Collana West”; e o Clube dos Quadrinhos (CLUQ) nos brindou com uma minissérie em duas edições: “Onde Morrem os Titãs”, com tiragem limitada de mil exemplares numerados, e o álbum “Um príncipe para Norma”, uma autêntica obra-prima, de 128 páginas, baseada na peça “Hamlet”, de Shakespeare. Como se isso já não bastasse, Berardi e Milazzo ainda introduziram na trama ninguém menos que Norma Jean, a fulgurante musa cinematográfica Marilyn Monroe dos anos 50.

O texto de Berardi é ágil, denso, bem estruturado e envolvente, e o traço de Milazzo, suave e livre, porém vigoroso. Ali o leitor encontra, sem a menor dúvida, uma primorosa demonstração de talento e arte quadrinizada. O personagem fora inspirado em Jeremiah Johnson, do belíssimo filme do mesmo nome (no Brasil, “Mais Forte que a Vingança”, de 1972), recebeu os traços fisionômicos do ator Robert Redford, e consegue transmitir a mesma força e a mesma carga emocional da história filmada.

A Mythos Editora retomaria o personagem durante algum tempo. Mas coube ao editor Wagner Augusto, do CLUQ, um apaixonado pelos quadrinhos de boa qualidade, professor universitário, mestre na matéria e fã de carteirinha de Ken Parker, conquistar os direitos de publicação em língua portuguesa da série completa, desde o primeiro episódio, oferecendo um novo significado às publicações de HQ no Brasil. As edições, pela Tendência Editorial/Editora Tapejara, foram cuidadosas, com esmerado acabamento, formato especial (16,0 x 23,0 cm), capas cartonadas com orelhas, páginas laminadas foscas, costuradas e com lombada quadrada. A tradução foi refeita e revisada, com a intervenção direta dos autores.

Concluída aquela série, em 1992, a italiana Parker Editore decidiu lançar Ken Parker Magazine, com episódios nem sempre criados por Berardi e Milazzo, cuja edição passou para a Sergio Bonelli Editore, a mesma de Tex Willer, a partir de 1994. A nova série teve um total de 35 volumes – que, no Brasil foram adquiridos pelo mesmo Clube dos Quadrinhos e passaram a ser publicados com o costumeiro capricho, em formato maior, capa colorida, miolo em preto e branco, papel cartonado, costurado e acabamento refinado.

O CLUQ está colocando agora em circulação os volumes 7 e 8 do magazine, cada um com 48 páginas e custo de R$ 65. Como não se trata de uma publicação regular, se não for encontrada, em Curitiba, na Itiban, do Xico e da Mitie, na Av. Silva Jardim, precisará ser encomendada junto à Comix Book Shop, de São Paulo, através do site da distribuidora.

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