10:06Ele continua, sobretudo, um repórter

por Célio Heitor Guimarães

O jornalista e escritor Carlos Maranhão continua, sobretudo, um repórter. Escreveu o seu Roberto Civita – O Dono da Banca, um catatau de 534 páginas, editado pela Companhia das Letras, com uma riqueza de informações e detalhes de fazer inveja a um historiógrafo.

Maranhão, que é gente nossa, começou aqui em Curitiba a sua trajetória jornalística. Esteve um tempo em O Estado do Paraná, de Mussa José Assis. Depois, foi correspondente em Curitiba da revista Placar, da qual logo se tornaria diretor de redação. O pé dentro da Editora Abril e o talento do jovem curitibano levou-o a editor de entrevistas e perfis e depois diretor de redação da Playboy, até chegar à “Vejinha”, como é conhecida a edição regional Veja São Paulo, a segunda maior revista da Abril em faturamento publicitário, lucratividade e circulação, atrás apenas da “Vejona”. Foi, então, diretor editorial de todas as Vejinhas (São Paulo, Rio, Belo Horizonte e Brasília). Em 2014, decidiu afastar-se do dia a dia das redações da Abril, passando a colaborar na preservação da memória da empresa.

O primeiro trabalho aí está: A Vida e as Ideias do Editor da Veja e da Abril. O editor foi Roberto Civita, filho mais velho do fundador Victor Civita, que assumiu o comando geral com o falecimento do patriarca. Mas mesmo antes da morte de Victor, Roberto (ou Rob ou árci, como era conhecido nos corredores da Abril) já havia feito das suas. Como a inesquecível revista Realidade, até hoje a mais relevante e admirada publicação de reportagens da imprensa brasileira. Foi dele também a iniciativa de Veja, a primeira revista semanal de informações do Brasil, Exame e Playboy – bancando com coragem e firmeza o aparente fracasso editorial da primeira no período inicial de circulação.

As quatro décadas dentro da Abril recomendavam Carlos Maranhão para a tarefa. Mas não apenas o tempo. Também a sua competência como repórter e a sua comprovada habilidade da reunir informações e, com elas, montar uma história atraente, proveitosa e de prazerosa leitura. Ao narrar a trajetória do publisher  Roberto Civita, Maranhão conta não apenas a história do poderoso Grupo Abril, mas de boa parte da imprensa brasileira, com destaque especial para Veja, expondo os embates internos, a luta de egos, a disputa pelo poder. É um documento histórico memorável, que ajusta versões e repõe a verdade de certos fatos convenientemente distorcidos.

É um retrato parcial do ex-patrão? Deveria ser, mas nem sempre é. Roberto Civita foi uma figura polêmica. Tinha inúmeros defeitos, mas também qualidades inegáveis, que mereciam vir a público. E Maranhão conseguiu encontrar o meio termo. Enumera os feitos e sucessos do grande editor, mas não oculta os seus fracassos e suas frustrações, incluindo o fato de não conseguir fazer na família um sucessor do império que formara.

Carlos Maranhão já se revelara um biógrafo de mão-cheia ao traçar, em 2004, o perfil de Marcos Rey (“Maldição e Glória – a Vida e o Mundo do Escritor Marcos Rey” – Companhia das Letras). Ao esboçá-lo, pôs à mostra, com elegância de estilo e precioso conteúdo, um dos mais enigmáticos nomes da literatura nacional. O resultado foi revelador – como tive a oportunidade de registrar, ainda nas páginas do velho O Estado do Paraná –, reconstituindo, com rigorosa precisão, os caminhos de Rey, sobretudo na noite paulistana de meados do século passado, entre boêmios, intelectuais, prostitutas, gigolôs e viciados.

Como aconteceu com Marcos Rey, em “O Dono da Banca” Maranhão detém-se em personagens secundários, focalizando-os com detalhes que enriquecem e dão sentido à obra.

Há ali, inclusive, revelações espantosas. Como a de que não foi Victor Civita o fundador da Editora Abril, em 1950, com a publicação do quadrinho disneyano O Pato Donald – do que VC se jactaria a vida toda. O verdadeiro fundador foi, na verdade, o seu irmão mais velho, Cesar, que criara na Argentina, em novembro de 1941, a Editorial Abril. Alguns anos depois, exatamente no dia 16 de dezembro de 1947, de passagem pelo Brasil, Cesar registrou na Junta Comercial do Estado de São Paulo, sob o nº 100.325, o contrato social de uma nova empresa, com sede na Rua Líbero Badaró, 158, 22º andar. Como não era brasileiro e não mantinha residência no país, “roubou” Jerônimo Monteiro do jornal Gazeta Juvenil e confiou-lhe a direção editorial da empresa – que batizou como Editora Abril Ltda. VC só chegaria ao Brasil, pelas mãos do mesmo Cesar, em 1949. Ah, sim, e a primeira publicação da nova editora, em maio de 1950, não foi O Pato Donald, como registra a história oficial, mas Raio Vermelho, um gibi em formato horizontal, com aventuras dos personagens de A Pantera Loura, Misterix e Kansas Kid.

O resto da história o leitor ficará sabendo as ler as 534 páginas de “Roberto Civita – O Dono da Banca”. E se quiser um autógrafo do nosso Carlos Maranhão deverá comparecer na noite desta quinta-feira 20/10, a partir das 19h30, na Livraria Curitiba do ParkShopping Barigui(Rua Prof. Pedro Viriato Parigot de Souza, 600), como Zé Beto já anunciou.

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