13:53É tempo de parar com os escrachos contra políticos acusados de corrupção

por Marcelo Coelho

Pode ser que eu esteja acendendo vela para mau defunto, como diz o ditado. Mas paciência. Para mim, o vídeo com Eduardo Cunha que circulou pela internet representou o auge de um processo cujas vítimas não param de crescer.

O parlamentar cassado empurra seu carrinho de bagagens no aeroporto Santos Dumont, no Rio. Alguém o reconhece. Começam as vaias e os insultos.

Como todos sabem, o ex-presidente da Câmara não é de se abalar com coisa pouca. Continua seu caminho, o perfil adunco sempre avante, as costas curvadas como ave de rapina.

Quem filmava a cena, com o celular, agitou-se tanto que não podia mais manter a cena em foco. Não vemos direito o que acontece –a dupla já está longe– mas ouvimos a torcida dos que, sem sair de seu posto, confiaram a uma mulher de idade o papel de representante da indignação popular.Uma senhora, bem baixinha, vai a seu encontro. “Pega o Cunha, senhora, pega ele!” As pessoas riem. O aeroporto estava quase vazio. Ninguém acompanhava Eduardo Cunha. A mulher o persegue; vai agredi-lo.

Mais torcida. “Olha, ela está voltando!” Estimulada, sem dúvida, pela falta de reação de Cunha, redobrou sua coragem e se dispõe a atacá-lo novamente.

As risadas não se dirigem apenas à humilhação sofrida pelo peemedebista. As pessoas acham graça da raiva da mulher, da sua radicalidade, do seu pequeno tamanho. Querem que o espetáculo prossiga –pelo bem do Brasil.

De todos os políticos que têm sido escrachados em aeroportos –Aloizio Mercadante, pelos antipetistas, ou Marta Suplicy, pelos petistas–, certamente Eduardo Cunha é quem menos atrai minha simpatia. Que já é baixa pelos outros, aliás.

Só que qualquer cena desse tipo é horrível de se ver. O xingamento de muitos se faz contra uma pessoa só. Há impiedade, há linchamento, há covardia nisso. Isso não é cristão, não é judaico, não é budista, não é muçulmano, não é humano. Isso é feio, é baixo, é vulgar.

Que dizer, então, dos constantes ataques ao ex-ministro Guido Mantega, não só em restaurantes, mas até no hospital onde ele acompanhava sua mulher, doente de câncer?

No assustador episódio em que Mantega foi detido pela Polícia Federal, pelo menos o juiz Sergio Moro teve o bom senso de se arrepender das ordens que tinha dado.

Dentre tantos bravos cidadãos brasileiros, muitos celebrariam aos gritos o flagrante contra o ex-ministro, se por acaso estivessem presentes no hospital –visitando, quem sabe, familiares próximos da morte. Um pouco de diversão e de alegria sempre cai bem nessas horas.

Meu impulso, pelo menos em hipótese, seria o de dar um abraço no corrupto da vez.

Ah, sim, bela alma! E se fosse um criminoso nazista? Você chegaria ao ponto de se solidarizar com um Mengele repentinamente reconhecido no saguão do aeroporto?

Não sei o que eu faria. Sei que há diferença entre um político tradicional e cínico e um criminoso de guerra, um torturador. Sei, também, de uma diferença ainda mais importante.

Quando alguém acusado de atos detestáveis responde a processo, está sendo punido, tem de prestar contas à Justiça, não há motivo para que um grupo qualquer queira castigá-lo com suas próprias mãos.

O “escracho” talvez seja mais compreensível quando se dirige a um bandido que, graças a uma lei de anistia ou à impunidade tradicional, safa-se com sorrisos de uma série diversa e fundamentada de acusações.

Se –como parece ser o caso no Brasil de hoje– as instituições funcionam, esses ataques de indignados não têm razão de ser. Pertencem ao mesmo tipo de catarse que caracteriza atos de vandalismo em tempos de guerra –quebrar as janelas de um vizinho estrangeiro, por exemplo, só porque nasceu no país inimigo.

Quem faz esse tipo de coisa não se sente impotente, injustiçado ou oprimido; sente-se, apenas, autorizado a liberar seus instintos mais baixos, sabendo que não será reprovado por seus iguais.

Penso em mandamentos éticos relativamente simples. Será que minha ação deixa o mundo pior ou melhor do que era antes? Será que minha ação faz de mim mesmo uma pessoa melhor ou pior? Não custa pensar nisso, acho, antes de bater no próximo político.

*Publicado na Folha de Londrina

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