8:21Sem aula de inglês

História de professor ocorrida no século passado, em escola pública, no ensino médio. Um dia a professora que ensinava inglês entrou na sala de aula e, durante todo o tempo, não emitiu uma palavra na língua de Shakespeare. Aos 40 alunos que moravam nas franjas da periferia de uma megalópole, ela, de nome Ana Rita, tentou abrir as porteiras da percepção para aqueles que, nas suas palavras, corriam o risco de permanecer para sempre no gueto da ignorância da vida, mesmo se se dessem bem financeiramente, casassem e tivessem filhos que seguiriam a mesma trilha da pobreza humana, que não tem nada a ver com a material. “Hã!”, devem ter pensado aqueles que estavam a um passo de prestar os vestibulares da vida e na transição da adolescência para a fase adulta – e o que lhes interessava era namorar, decorar o que  era escrito nas lousas e seja o que Deus quiser. Ela falou em literatura, em teatro, em cinema, num mundo desconhecido e que era criado por mentes que pensavam o ser humano a partir das próprias experiências e os transformavam em arte. Naquele tempo, apesar dos pesares, não se formavam hordas de analfabetos funcionais como hoje, onde o aluno é perdido é avaliado e quem não ensina, com as exceções de sempre, rumina e reclama da profissão e do salário, mas não larga o osso e não quer ser questionado na capacidade de orientar. Quantos daqueles alunos entenderam o que a Ana, que estava honrando sua missão, ouviram as palavras ditas com a força da sabedoria e do amor que ela sentia por eles? Foi um caminho aberto em que, pelo menos um, enveredou. No dia seguinte ele sacolejou quase duas horas dentro de um ônibus para ir ao Centro da cidade e, num cinema de rua, pequeno, assistiu acachapado ao filme “Teorema”, de Pier Paolo Pasolini. Era algo completamente estranho à sua madorrenta compreensão da vida e das relações humanas. Não entendeu nada, mas viu as portas da percepção se abrirem. E foi atrás, nunca mais parou, para tentar olhar de outra forma, mais crítica, questionadora, principalmente a si mesmo.

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