14:54O MINUETO

minueto

Rogério Distéfano

PARECIA um minueto, a dança do século XVIII. Lembram, dos filmes? Pares afastados, tocando-se pelas mãos, passos lentos, ritmo idem, mesuras sem fim. O que vi ontem passava-se na pista de rua chã e pedestre, não nos salões aristrocráticos. Pares, os carros e seus motoristas. Num deles o casal cinquentão, carro compatível com a idade, dos que perdem a cor de tanta exposição ao relento. No outro o jovem, carro popular, jovem na cor e na intenção do escapamento com barulho sofisticado e dos vidros escurecidos.

O casal cinquentão, mulher ao volante, cortou a frente, muito rente, ainda que sinalizando. O jovem – ou porque jovem ou porque curitibano – deitou-se na buzina. Ambos convertem à esquerda na esquina próxima. Aqui começa o minueto do trânsito desta cidade, pautado por irritações e buzinadas. O jovem avança e fica longe do casal, o casal, embora com espaço para se aproximar e cobrar a descortesia da buzina, fica à distância. O marido abre a janela e cobra a atitude, o jovem responde qualquer coisa. O marido encaminha o jovem ao lugar que todos injustamente desrespeitamos.

Os pares continuam distanciados, buzina daqui e de lá com o desconforto daqui e de lá. Abre o sinal, ambos prosseguem, o casal à esquerda, o marido dizendo palavrões, o jovem, em linha reta, seguro de não ser alcançado, mostra o dedo médio e avança. Todos de egos satisfeitos, todos errados. Nós outros a assistir o espetáculo do automóvel como extensão, arma e refúgio da ignorância. 

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