8:57O passado no futuro

Da Folha de S.Paulo, em reportagem de Estelita Hass Carazzai

Com apelo à nostalgia e gafe sobre pobres, Greca disputa prefeitura de Curitiba

Rafael Greca tem os olhos apertados, como alguém que sorri permanentemente. Os braços curtos, quando não estão apoiados sobre a cintura arredondada do candidato, sustentam o dedo em riste, em tom professoral.

É com ele que o ex-prefeito conclama o público, depois de invocar a “proteção do santo Arcanjo Gabriel”, a cantar o hino de Curitiba –cidade em que concorre, mais uma vez, à prefeitura.

Aos 60 anos, filiado ao nanico PMN, Greca foi o mais votado no primeiro turno, com 38%. Seu concorrente é Ney Leprevost (PSD), deputado estadual quesurpreendeu na reta final, fez 24% e tirou o atual prefeito Gustavo Fruet (PDT) do páreo.

Greca chegou ao segundo turno com um apelo à nostalgia e o bordão “Volta, Curitiba”. Prefeito entre 1993 e 1996, ele foi sucessor do arquiteto Jaime Lerner, na época seu aliado político e referência em urbanismo.

Engenheiro por formação, deu continuidade ao legado do antecessor e fez obras pouco ortodoxas que viraram símbolo da sua gestão, como bibliotecas em formato de farol e chafarizes luminosos.

Agora, embalado pela baixa aprovação do atual prefeito, promete levar Curitiba de “volta para o futuro”, com casas com energia fotovoltaica e incubadoras para start-ups.

“Eu sou experiente, mas tenho jovialidade de espírito”, disse o candidato à Folha.

Dono de um raciocínio veloz e de uma retórica elogiada por adversários, Greca cometeu um grave deslize no primeiro turno: em uma sabatina, declarou ter “vomitado com o cheiro de pobre”, ao ajudar um morador der rua.

A frase, pela qual pediu desculpas, foi disparada em redes sociais e programas eleitorais. Foi o que impulsionou a candidatura de Leprevost, que figurava num distante terceiro lugar, com 7% das intenções de voto. Greca, que pelas pesquisas poderia vencer em primeiro turno, caiu drasticamente.

“Eu sou eu mesmo, não tenho marketing. Inclusive mostro meus defeitos”, disse, ao votar no último domingo. “Foi uma confusão que já passou. E me deu a chance de mostrar que sempre fui um militante do serviço social.”

ANTIPOLÍTICO

O candidato tem dado destaque à experiência como gestor para se diferenciar de Leprevost, 42, que começou a vida como radialista e sonha em ser prefeito há anos.

Ao mesmo tempo, vende a imagem de antipolítico, apesar de ex-deputado federal e ministro do Turismo de Fernando Henrique Cardoso. “Fui ungido pela repulsa de Brasília”, argumenta.

Na época, Greca foi acusado de exploração ilegal de bingos eletrônicos –segundo ele, porque “bateu de frente” com quem controlava o negócio. Teve de deixar o cargo.

Alvo de ação de improbidade na Justiça Federal, foi absolvido, mas o Ministério Público recorreu e aguarda decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Ministro, foi responsável pelas comemorações dos 500 anos do descobrimento –marcadas pelo fiasco da Nau Capitânia, réplica da caravela de Pedro Álvares Cabral que afundou e não chegou a tempo das festividades.

Hoje, ele afirma querer ser prefeito por “amor a Curitiba”. Em todo discurso, despeja datas, nomes e fatos sobre a cidade, e encerra, com a frase que lhe é característica: “Viva Curitiba!”.

O ex-prefeito critica a imobilidade da atual gestão, que chama de “burocrática”.

“Não dá para deixar que o Ministério Público, que não é eleito, governe ou impeça de governar”, afirmou o ex-prefeito à Folha.

Durante a campanha, Greca foi acusado de furtar peças de um museu municipalquando prefeito. A Folha mostrou que algumas obras desaparecidas se parecem com itens que estão em sua chácara. O candidato nega e diz ter apenas heranças de família, que se assemelham em estilo aos itens sumidos. “A minha casa é um reflexo da minha alma”, afirma.

Sua aliança com o governador Beto Richa (PSDB) também foi alvo de ataques. O tucano vive má fase, com baixa popularidade, mas deu tempo de TV e estrutura à campanha do nanico.

Greca, que costumava criticar Richa e sua administração, foi muito questionado, e se irritou algumas vezes.

“O que é a política? É servir o povo. Político vem de pólis. Pólis é cidade. É sobre a cidade amada que é meu dever falar”, declarou em sabatina no jornal “Gazeta do Povo”.

Algumas críticas ele costuma atribuir ao “mau hábito da alma”. “Só veem o lado avesso do mundo”, disse. “É tão bonito ver o lado bom. Eu sou alegria, eu sou feliz.”

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