7:12O fim das capivaras (e da comunicação engraçadinha, mas ineficaz)

por Marcelo Vitorino*

Desde 2008, as campanhas políticas passaram a usar a internet como um canal de comunicação, mas a popularização começou com o uso de redes sociais nas campanhas presidenciais de 2010 e de lá para cá não parou mais.

A reforma eleitoral de 2015 reduziu o tempo de televisão, a duração da campanha e limitou os recursos, dando à web um peso ainda maior que antes.

Claro que a televisão continua sendo o canal de maior penetração, mas hoje é inviável pensar em uma campanha sem uso de redes sociais.

Nos últimos anos o fenômeno digital foi tão grande e impactante que algumas prefeituras passaram a ter canais sociais. O canal mais conhecido de todos, com direito a prêmios inclusive, é a fanpage da cidade de Curitiba. Ao ver a grande quantidade de likes, comentários e compartilhamentos é possível mesmo crer no sucesso da página feito por meio da publicação de frases motivacionais, fotos bacanas, brincadeiras com outras páginas e, de vez em quando, uma ou outra nota de utilidade pública. Até mascote a página adotou: a capivara.

A maior parte dos especialistas digitais acredita que o modelo de comunicação adotado pela página, misturando entretenimento e informação, é o caminho a ser seguido. Mas será que é mesmo? Ter uma página tão bacana reflete na aceitação e na avaliação de uma gestão?

Sempre fui crítico a essa comunicação por crer que um canal social de uma instituição, pública ou privada, nada mais é do que um braço de atendimento, um aspecto virtual do mundo real. Logo, o conteúdo publicado, o tom, a linguagem e o posicionamento sobre temas devem estar em sinergia com a cultura da instituição. Órgãos públicos têm uma finalidade específica: prestar serviços à comunidade.

Não sei qual a sua experiência em se relacionar com uma prefeitura, mas geralmente eu falo com ela quando há algo errado. Não me aproximo de um funcionário público para ser entretido por ele, mas para ser atendido, enfim, ter o meu problema resolvido. Imagine uma situação, você recebe seu carnê do IPTU errado, com valores a mais do que o devido, e vai no setor responsável para pedir a correção. A pessoa prontamente lhe atende, mas ao invés de resolver o seu problema, lhe pede para doar sangue e achar uma fotografia da cidade bacana. Estranho, não é?

Claro que ao ler isso você pode pensar “mas que cara chato, deixa o povo ser feliz”. Entendo esse pensamento e até concordo com ele, mas te convido a fazer uma reflexão sobre o uso do dinheiro público. Duas verdades precisam ser colocadas: não existe dinheiro público, existe o seu dinheiro aplicado em políticas públicas; a prefeitura paga profissionais para pesquisar, planejar, produzir e publicar conteúdo em seus canais. Sendo muito claro, é você que paga a conta das brincadeiras.

Ao invés de ficarmos colocando opiniões contrárias e favoráveis, prefiro conduzir essa conversa que estamos tendo aos fatos. O fato mais relevante é o desempenho pífio de Gustavo Fruet em sua campanha de reeleição à prefeitura de Curitiba. Com página engraçadinha e tudo, cheia de fãs, likes, prêmios, sequer chegou ao segundo turno, tendo a avaliação de sua gestão como uma das piores dos últimos 20 anos.

Em Goiânia há um outro fenômeno de redes sociais, conhecido como delegado Waldir, que se candidatou à prefeitura da cidade. Ele também botava fé na sua presença digital, dizendo-se eleito pela internet. Também não foi ao segundo turno. Por todo Brasil esse fenômeno se repetiu, muitos políticos com grande quantidade de fãs entenderam que o entretenimento não é o melhor caminho quando a métrica é a quantidade de votos.

Observando a fanpage de Curitiba e as demais é possível encontrar um padrão. Os eleitores de hoje se entretêm com o conteúdo leve, mas não encontram razões para fazer juízo de valor positivo. Tivesse Fruet adotado uma linha de comunicação direta, objetiva e transparente, fazendo eventos ao vivo na página, dando explicações sobre seu mandato, falando o que deu certo e o que deu errado, todas as semanas, com certeza teria outra avaliação dos munícipes.

Não há gestão perfeita, mas nada mais deixa um eleitor irritado do que a postura de um político em fazer de conta que está tudo bem. É aí que entra o problema em transformar canais sociais de instituições ou figuras públicas em algo engraçadinho, há uma quebra entre a expectativa do munícipe e o que a gestão lhe oferece. O eleitor quer entrar na página e saber porque a rua dele está com buracos no asfalto ou sem iluminação. Quer saber quando é que as obras vão acabar na vizinhança. Quer participar das decisões do zoneamento da cidade. Quer ver como anda as contas da gestão. Se ele quiser rir, há outros caminhos que não o faça se sentir o palhaço da história. É o fim das capivaras.

*Marcelo Vitorino é sócio da Presença Online e professor de marketing político da ESPM

Em Meio e Mensagem, reproduzido no blog do JJ

 

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2 ideias sobre “O fim das capivaras (e da comunicação engraçadinha, mas ineficaz)

  1. Adalgisa Camos

    O brasileiro é um povo infantilizado!!! Quem fez esse tipo de comunicação é assim!!!! Bingo
    Esse prefeito é uma figura ridícula

  2. Franco

    A comunicação via redes sociais dava a impressão de ser um meio direto de resolver problemas. Nunca foi. O funcionário do twitter, quando muito, consultava as páginas da própria prefeitura para ver, por exemplo, o andamento de uma demanda.
    Informava o óbvio. Eu mesmo reclamei da demora de uma ação solicitada via canal 156, e a resposta foi mais ou menos “espera aí, que um dia sai”. Nunca saiu, apesar de encaminhada para a regional responsável.
    A ideia foi boa. Mas a execução…

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