9:11LIÇÕES DE VIDA

por José Maria Correia

Com certa habitualidade tenho sido cobrado pelos leitores do Zé Beto para rememorar os bem humorados conselhos do Ernesto Perly, o boêmio mais interessante  que Curitiba conheceu na década de 80.
Celebrizado em livro (Como se fiz por mim mesmo)  pelo genial publicitÁrio Jamil Snege que o tinha também  como modelo sênior em comerciais de tv e com suas memórias preservadas em áudio digital no acervo histórico do jornalista Aramis Millarch, Perly atuava como um oráculo para a fauna noturna que  o procurava nas madrugadas de tertúlias na saudosa cafeteria do Hotel Colonial da rua Comendador Araújo, hoje integrando a rede Deville.
Feito este introito e como as circunstâncias e a biografia  já foram relatadas em outros textos aqui mesmo neste espaço onde me abrigo , atendendo  a pedidos vou direto ao ponto  e colaciono alguns  dos conselhos do sábio Perly que certamente hoje seriam tidos como politicamente incorretos ou impregnados de misogenia:
Quando perguntado como fazia para estar tão bem disposto , jovial e animado aos oitenta anos, Perly respondia:
-Meu filho, nunca casei e nunca trabalhei.
Sobre ter escapado de encrencas com mulheres :
-Nunca me meti com mulheres com menos dinheiro e mais problemas do que eu.
Para manter bom relacionamento com mulheres ensinava :
-Nunca prometa nada, principalmente se beber; se forem de programa, dê sempre algum dinheiro ,mesmo que seja para os alfinetes.
Para um amigo que havia se apaixonado por uma mulher separada e com vários filhos, recomendava :
-Meu filho, primeiro compre uma Kombi para transportar a família inteira e só depois – e se estiver  acostumado com a Kombi, decida.
Para outro que queria trocar a esposa por outra mulher mais jovem advertia :
– Meu filho, lembre-se que mulher nunca vem sozinha, é um pacote completo, despesas, sogro,sogra, filhos, cunhado com problemas , etc. Você pede um cheeseburger, mas vai pagar também a  Coca- Cola e fritas.  Cuidado com o combo.
Para o amigo desesperado para conquistar uma mulher e que nunca conseguia, depois de tentar tudo :
-Meu filho, o último lance é um convite para viajar para a Europa de primeira classe. Se esse truque  falhar, desista;  se não tiver dinheiro, desista dessa  também; mulher tem tantas que até pobre e homem feio tem.
Para amigos solteirões:
– Para não ficar com fama de viado, nunca ande com rapazes boa pinta, ande só com gente da sua idade ou mais velhos.
Para um da turma que pretendia se candidatar a deputado e fazer carreira política.
-Meu filho , trate de arrumar uma profissão honesta. (o candidato foi eleito, já foi governador mas responde à dezenas de processos desde a década de 90)
Para outro que foi corneado e pretendia correr desesperado atrás da amada:
-Meu filho, nunca corra atrás de mulher que te corneia, resista, fique firme , apareça com outra, se for para acontecer ela volta de rodillas ( joelhos em espanhol).

Para o Anselmo Duarte, companheiro de mocidade na década de 50 no Rio de Janeiro,detalhe, quando duros dividiam sanduíche de boteco.
-Meu filho, tudo, até passar fome, menos ser gigolô de mulher velha, é fim de carreira.
Anselmo bem aconselhado teve as mais lindas mulheres de sua época.
Para mulheres em desespero amoroso por falta de homem:
-Minha filha, nunca dê dinheiro para malandro e não saia desarrumada na rua nem com mulher mais bonita que você.
Sobre comportamento e cavalheirismo :
-Meu filho você conhece o caráter de um homem em duas situações :
Em uma mesa de jogo de cartas ou na companhia de uma mulher.
A referência era a um famoso cronista social que era expulso de rodas de carteado por tentar trapacear sempre.
Para os maridos crédulos demais :
-Meu filho , existem  dois tipos de mulheres, as que traem e as que não traem apenas porque não têm coragem de trair.
Perly também exigia ordem nas conversas e não permitia monopólios verborrágicos .
Conselho dado  para  os donos da verdade que tem certeza de tudo  e monopolizam as conversas :
-Não se exiba demais com suas convicções e nunca brigue com os amigos por causa de políticos, depois eles se acertam e você descobre o que todos já sabiam,  que você é apenas um imbecil ,meu filho.
Quem não conheceu o mestre da boêmia até pode imaginar que fosse um cético, um cínico ou alguém desencantado existencialmente.
Ledo engano, o velhote era um apaixonado pela vida , alguém que amando  intensamente, havia sofrido, como é natural, suas grandes decepções e traições .
De fato havia criado para si uma Persona, uma variante de sua personalidade no conceito da psicanálise de Jung, que utilizava para prestar solidariedade aos que se refugiavam na noite em busca de uma tribo onde ele encarnava o Xamã que outros encontram nas igrejas ou na literatura insípida de auto-ajuda.
Muitos encaravam como uma dádiva o fato de o  velho estar sempre disponível para emergências amorosas e sentimentais durante a noite e a madrugada – e não hesitavam em procurá-lo.
 E foi assim que muitas agressões e gestos desesperados foram evitados, depois de uma boa conversa de desabafo e confidências até o sol raiar e apagar as mágoas mais profundas.
Perly, que tinha passado a juventude no Rio de Janeiro, conviveu com os primeiros psicanalistas do grupo de Hélio Pelegrino e  foi nos papos da madrugada no restaurante e pizzaria Fiorentina do  Leme  e na companhia de atores e atrizes do cinema e do teatro que desenvolveu a  refinada técnica de ouvir e aconselhar,o que fazia com compaixão e um toque de humor para amenizar os dramas mas sem jamais deixar de ser solidário.
E eu ao lado de inesquecíveis amigos como o vereador Emilio Mauro, o  fiel garçon Colaço e muitas damas da noite com seus gigolôs, jornalistas, poetas e boêmios, fui um  expectador privilegiado e assisti a forma despretensiosa com que o nosso filósofo Perly, com seus conselhos por mais de quinze anos, como um guru , evitou casamentos desastrosos, preservou outros bem ou mal  sucedidos, encaminhou mulheres abandonadas  e desorientadas , ajudou na escolha de carreiras e, acima de tudo, consolando e compreendendo, trouxe muitos notívagos à lucidez perdida, tornando a vida mais amena e  tolerável  para quem na solidão da  madrugada procurava uma palavra amiga, um olhar generoso e um pouco de compaixão, mesmo que servida com humor, ironia ou sarcasmo mas sempre amorosamente presente.
Depois, tudo acabou.

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