17:36O VAMPIRO DE CURITIBA

de Dalton Trevisan

Se não havia ninguém na casa, além dele e Maria… Intrigado, experimentou o trinco: no quarto cor-de-rosa penteadeira oval.
Uma, duas, três bonecas de luxo. E, da cama, sentadinha, sorria a gorda senhora.
– Entre, seu moço.
Dois passos no reino das bonecas: ar adocicado de incenso, pó-de-arroz, esmalte de unha.
– É parenta da Maria?
– Não adivinha? – E sorria, faceira, lábio muito pintado. – É minha filha.
– Tão jovem… – Bem a avozinha do Chapeuzinho Vermelho. – Parece irmã!
No canto do espelho alinhavam-se os galãs de cinema.
– Muito gentil. Você quem é?
– Amiguinho dela.
A gorda afastou o abajur, aninhada na sombra misteriosa.
Esqueceu no joelho a revista, em gesto pudico fechou o quimono encarnado.
– Aceita um bombom? – e retirou do lençol uma caixa dourada. – Como escondida…
Lambeu o dedinho curto, a tinir o bracelete:
– Segredo de nós dois!
– De mim ela não vai saber – e beliscava o cacho loiro da boneca.
– O moço não quer sentar?
Ao vê-lo correr o olho, encolheu-se no canto:
– Lugar para mais um.
Respeitoso na beira da cama, apanhou a revista de fotonovela.
– Os dois brigaram?
– Sabe como ela é.
Aborrecido virava as páginas: dedo peganhento de chocolate o olhinho gorducho.
– É recheado de licor! – e oferecia na ponta da língua um bocado meio derretido.
Era a avozinha ou, no quimono fulgurante de seda, o próprio lobo?
Largou a revista ao pé da cama – voltar à Maria e pedir mil perdões? Na mesinha o retrato em moldura prateada.
– Sou eu.
A menina com a cesta de amora.
– Já fui bonita.
– Ainda é – retrucou alegre –, ainda é.
Muito sério ao dar na sombra com o olho arregalado de sapo debaixo da pedra.
– Seu diabinho! – agarrou-lhe o polegar na mão lambuzada e, antes de soltá-lo, um apertão e mais outro.
Nada de avozinha, é mesmo o lobo. Ao mexer a cabeça, girava a parede e, enxugando o suor da testa, voltou-se para ela:
– Tem alguma bebida?
Exibiu os dentes alvares de pouco uso:
– Sou melhor que bebida.
Entre divertido e assustado, descansou o cotovelo na cama: propunha-se o lobo devorá-lo? Vislumbrou a cara na sombra: balofa, sem sobrancelha, o cabelo ralo. Por cima do quimono apalpou-lhe o peito: apesar de velha, o seio durinho.
– Quer minha perdição? – Meu Deus, a voz dengosa de menina. – Ai, diabinho peralta!
Brincalhona, correu a unha pela nuca. De repente o gemido rouco:
– Feche a porta.

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