15:01O homem que escrevia com o coração

rubemalvesRubem Alves

por Célio Heitor Guimarães

Se vivo fosse, Rubem Alves, um dos maiores intelectuais deste país, estaria fazendo (ou “desfazendo”, como preferia dizer) nesta quinta-feira, 15 de setembro, 83 anos. Mineiro de Boa Esperança, ele nos deixou há dois anos e dois meses. Educado em família protestante, estudou teologia e virou pastor de uma comunidade presbiteriana no interior de Minas.

– Mas ele nunca quis catequizar as pessoas – conta Raquel, a filha caçula.  “A vida dele em Lavras como pastor era cuidar dos pobres e dar amor às pessoas que o procuravam”.

Isso incomodou parte da Igreja e os militares que haviam tomado conta do Brasil. Rubem fizera uma pós-graduação em Nova Iorque, EUA, e quando regressou ao país ficou sabendo que estava listado entre os pastores procurados pela ditadura. Retornou aos EUA com a família e foi estudar em Princeton, onde escreveu a sua tese de doutorado com o título de ‘A Theology of Human Hope’ (‘Teoria da Esperança Humana’), um ensaio precursor da ‘Teoria da Libertação’.

Em 1968, Rubem rompeu com a Igreja Presbiteriana. Defendeu a livre docência em filosofia política na Unicamp de Campinas e sentiu-se livre para voar. No mesmo ano, entrou no Instituto de Filosofia da Unicamp, onde fez longa carreira acadêmica até se aposentar na década de 1990. Em 1984, iniciou o curso para formação em psicanálise e teve uma clínica em Campinas até 2004.

Até o nascimento de Raquel, Rubem tinha uma carreira totalmente voltada para o mundo científico. Porém, segundo a filha, já na sala de espera da maternidade, ele começou a repensar seu trabalho: “Então, ali, decidiu que escreveria apenas o que o coração pedisse”.

Suas primeiras obras foram histórias infantis, mas logo expandiria o seu universo, distribuindo conhecimento, inteligência e muito amor à vida e às pessoas – no total foram mais de uma centena de livros, que vêm sendo reeditados constantemente.

Um dos grandes amores de Rubem Alves, sempre confessado, eram os ipês amarelos, abundantes na sua Campinas, assim como aqui na nossa Curitiba.

“As outras árvores fazem o que é normal – abrem-se para o amor na primavera, quando o clima é ameno e o verão está pra chegar, com seu calor e chuvas. O ipê faz amor justo quando o inverno chega, e a sua copa florida é uma despudorada e triunfante exaltação do cio” –  escreveu.

Tão forte era a paixão de Rubem pelos ipês amarelos que, pouco antes de morrer, entregou aos filhos uma carta, onde dizia que gostaria de ser cremado e que suas cinzas fossem jogadas embaixo da sombra de um ipê amarelo, enquanto seriam lidos textos de seus poetas favoritos, como Cecília Meireles, Fernando Pessoa e Adélia Prado. Foi atendido.

Outra de suas costumeiras digressões era com a figura de Deus, que foi tão cultuada por ele durante os anos de pastoreio. Passou a rejeitar a figura divina do Velho Testamento, tão vingativa quanto ameaçadora, e criou a sua própria, como se vê neste trecho de crônica:

“Eu não tenho religião. Não vou a igrejas, não participo de rituais, não acredito nos seus dogmas. Preciso não ter religião para amar a Deus sem medo, com alegria e, principalmente, sem nada pedir. Não tenho religião porque não concordo com as coisas que elas dizem de Deus. Deus é um Grande Mistério. Está além das palavras. Diante do Grande Mistério a gente emudece. Fica em silêncio. Discordo a partir do pronome ‘ele’. Deus ‘ele’, masculino? Onde foi que aprenderam sobre o sexo de Deus? Deus tem sexo? Se tem sexo, por que não ‘ela’, Deus mulher? Como a mulher do ‘Cântico dos Cânticos’? A Igreja Católica não conhece a mulher. Conhece apenas a mãe que foi mãe sem ter sido mulher. Deus: por que não uma flor, a mais perfumada? Por que não o mar sem fim onde a vida navega? Místicos houve que disseram que Deus é uma criança que nos convida a brincar… Mas pode ser também que Deus seja música, como pensaram os místicos pitagóricos.”

A filha Raquel abandonou uma carreira como arquiteta para dedicar-se inteiramente à obra do pai e ao Instituto Rubem Alves, localizado no Jardim Chapadão, em Campinas (SP), que irá promover nesta quinta-feira um sarau gratuito, com música, sopa, vinho e poesia, como o escritor gostava, a partir das 20 horas.

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Uma ideia sobre “O homem que escrevia com o coração

  1. manoel afonso

    Pô…mandou bem o Célio ao homenagear nosso grande intelectual. Rubem foi um homemcom ideais e conceitos atuais. Poucos chegarão ao nível dele. Ggostei mesmo! Parabéns!!!!

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