11:27Havelange fazia a pior espécie de política ao se dizer apolítico

por Juca Kfouri

É costume no Brasil fazer o elogio a quem morre.

Até porque quem morre não pode mais se defender.

João Havelange estava na hora certa no lugar certo.

Virou presidente da Fifa em 1974, quando o mundo estava começando a ficar realmente globalizado e o futebol passou a ser componente importante na indústria do entretenimento.

Antes disso, dirigiu com mão de ferro e arrogância a antiga CBD, hoje CBF, e se relacionou bem com todos os presidentes e ditadores do Brasil que encontrou pelo caminho.

Deu, porém, um passo em falso quando organizou no país a Mini-Copa, em 1972, e acabou sob suspeição de ter administrado mal os recursos públicos que recebeu para fazê-la a pretexto de comemorar o Sesquicentenário da Independência do Brasil.

Nenhuma seleção europeia importante como as campeãs mundiais Alemanha, Inglaterra e Itália compareceram e a seleção brasileira terminou vencedora, na final contra a portuguesa.

Então, ao se eleger presidente da Fifa contra o domínio europeu e com apoio de Pelé, seu cabo eleitoral nos países africanos, recebeu o aviso da ditadura que não deveria acumular, como desejava, os cargos na CBD e na Fifa.

Foi substituído na entidade nacional pelo almirante Heleno Nunes, presidente da ARENA, no Rio de Janeiro, partido que apoiava a ditadura.

Na Fifa, Havelange uniu-se à poderosa família Dassler, que fizera fortuna ao fabricar as botas do exército nazista, donos da Adidas, e começou a transformar a entidade num império, com dividendos para poucos.

Havelange fazia a pior espécie de política ao se dizer apolítico, com o que justificava seu relacionamento estreito com as ditaduras pelo mundo afora, na África ou na América do Sul.

Orgulhava-se de dizer que a Fifa tinha mais filiados que a ONU e sua influência no Brasil era tanta que conseguiu levar o genro, Ricardo Teixeira, absolutamente desconhecido nos meios do futebol nacional, à presidência da CBF, em 1989.

Seus últimos anos foram tristes.

Em meio ao escândalo que se abateu sobre a Fifa, teve de renunciar ao posto simbólico de presidente de honra da Fifa e ao lugar que ocupava no Comitê Olímpico Internacional, como mais longevo dirigente da entidade.

A falência da ISL, empresa de marketing esportivo que trabalhava para a Fifa, revelou que tanto Havelange como Teixeira receberam propinas que chegaram a US$ 54 milhões.

Para não ter de responder às acusações, Havelange preferiu renunciar.

Atribui-se a ele papel decisivo para trazer os Jogos Olímpicos de 2016, no Rio, por conhecer bem os bastidores da escolha e como comprar os votos necessários para ganhar a parada.

Havelange é o modelo de dirigente para Carlos Nuzman, presidente do COB e do CoRio-16, além de ter sido mais de uma vez objeto de biografias laudatórias escritas por autores chapas-brancas.

Como diria o poeta popular, morre hoje sem foguete, sem retrato e sem bilhete, mergulhado em profundo ostracismo durante a Olimpíada e pouco mais de dois anos depois da Copa do Mundo no Brasil, que não pôde curtir como gostaria, assim como o ex-genro.

Inegavelmente, transformou a Fifa numa grande fábrica de dinheiro e popularizou o futebol nos cinco continentes, infelizmente como uma família que não deve nada à outra conhecida como “Cosa Nostra”.

*Publicado na Folha de S.Paulo

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Uma ideia sobre “Havelange fazia a pior espécie de política ao se dizer apolítico

  1. Zé Povinho

    Meu pai que era um homem inteligente dizia que no Brasil, morreu virou santo. Agora só faltam os elogios rasgados àquele que fez tudo de bom, para ele e para os seus , é claro.

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