18:04ZÉ DA SILVA

Meu pai nunca falou que estava bem. Isso quando alguém se arriscava a perguntar. Tinha o rosto esculpido a machado, seco, olhos azuis – e dificilmente ria. Quando ouvia o questionamento, respondia, invariavelmente, que estava “aquela graxa” ou “bola murcha”. Passou a vida inteira assim – e só depois descobriu-se que, sabe-se lá quando, entrou e não saiu da nuvem da depressão. Sim, bebeu quando jovem. Parou e, vinte anos depois, voltou. Era o seu alívio. Bola murcha a gente fica quando perde um amor, quando não tem o talento reconhecido, quando aparece uma doença depois de um tempão de vida saudável. Aí se dá valor à normalidade. Ainda bem que nas cidades grandes há os doutores a escarafunchar as entranhas. Às vezes eles encontram o caranguejo e conseguem matá-lo. Às vezes não. Meu pai morou em cidade grande e depois voltou para o mato. Nunca tratou da graxa que o impedia de sorrir, mesmo para o filhos. Ele foi embora assim, mas conseguiu produzir se arrastando na vida. Há uma semana uma bolha apareceu dentro da barriga e me tirou a energia. Pensei no meu pai. Estou como ele e o pouco tempo me parece uma eternidade. Meu pai era um forte.

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