7:15O espaço tensionado pelo olhar

por Yuri Vasconcelos Silva

O espaço por onde a vida flui é tridimensional. Mesmo que grandes dramas existam nas duas dimensões em que a literatura foi criada, o cinema projetado ou tela pintada, o mais extraordinário ainda ocorre no lado de cá, no reino dos três eixos que definem um mundo três-dê. Fica determinado que o espaço tridimensional é o campo onde quase tudo pode surgir. O espaço vazio de um campo de centeio, por exemplo, é um volume cheio de potências prestes a se tornar algo. Há uma constante tensão ainda não descoberta em cada centímetro cúbico de vazio. Para esta estrutura tensionada enfim se romper e produzir a emersão de algo, é necessário o olhar e a invenção de um ser humano. A ideia é o ponto de desequilíbrio, a quebra de simetria que produz a invenção das coisas. Arquitetos, designers e urbanistas inventam novos invólucros e relações com o potencial vazio. Na medida em que a arquitetura cria membranas e camadas para segmentar o espaço vazio, ela constrói novas relações de olhar, caminhar e sentir. Isso acontece em variadas escalas onde a proporção humana é o centro deste universo. A matéria prima do arquiteto é, portanto, o vazio que existe em três dimensões, cheio de potencial de vir-a-ser uma construção. O fascinante disso é que este conceito é muito familiar à filosofia. A Vontade de Potência descreve uma força que estaria em tudo o que experimentamos, incluindo nossa própria existência. Mas ela existe somente na relação entre o homem e o objeto analisado, o que sugere que o potencial expansivo do espaço em se tornar coisa construída, por exemplo, só existe de fato quando há uma pessoa se relacionando com este espaço. O espaço vazio no campo de centeio só pode ser tensionado e carregado de significados quando há alguém proporcionando este desequilíbrio que vai gerar uma ideia, um projeto e um objeto.  Conclui-se, portanto, que não há arquitetura em Marte ou em Chernobil.

*Vontade de Potência: conceito filosófico elaborado por Friedrich Nietzsche no fim do século XIX.

*Yuri Vasconcelos Silva é arquiteto

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