6:59Muito além de um abraço

por Célio Heitor Guimarães

Aconteceu no domingo, logo após a decisão da Eurocopa, torneio que reúne as seleções dos países da Europa. Em fato inédito, Portugal tornou-se campeão, derrotando a seleção francesa em pleno Stade de France, em Paris. Nas proximidades da Torre Eiffel, um torcedor francês chora desolado, cobrindo o rosto com as mãos. De repente, seu braço é tocado por alguém. O francês volta-se e dá com um minúsculo garotinho envergando a camiseta da seleção portuguesa. Teria uns 9 anos. Sensibilizado com o pranto do francês, o menino dirige-lhe palavras de conforto. Depois da surpresa inicial, o francês enternece-se e afaga os cabelos do pequeno, que continua consolando-o. O que dizia não se sabe. Talvez nem o francês tenha entendido. Mas abaixa-se e beija a cabeça do guri e, em seguida, dá-lhe um abraço carinhoso. Depois, retira-se aliviado, sob o olhar solidário do miúdo lusitano.

A cena, de uma singeleza extrema, foi captada por um cinegrafista casual e correu o mundo, emocionando a todos. Quem ainda não a viu, deve recorrer rápido ao You Tube.

São acontecimentos como esse, espontâneo, sincero, maravilhoso, que ainda nos dão esperança no ser humano, nesta época tão castigada pela violência, pela maldade, pela ganância e pelo preconceito. Mais do que isso: revela que ainda arde dentro de nós a chama do amor e da fraternidade.

Solidariedade, junto com liberdade, esperança, saudade e amor, talvez seja uma das palavras mais bonitas do dicionário – brasileiro, português ou francês.

Impossível avaliar a importância daquele momento na vida do torcedor francês, mas certamente representou muito na vida do pequeno torcedor português. E ofereceu ao mundo uma lição que todos nós estávamos precisando aprender, pois flagrou o efêmero e o eterno abraçados num único momento – como diria o meu querido Rubem Alves.

Rubem, aliás, tinha uma tese – daquelas que só ele era capaz – segundo a qual tudo se resolverá no dia em que os adultos deixarem de querer transformar as crianças em adultos, dando a isso o nome de educação, e decidirem ser mais parecidos com os meninos e meninas, abandonando a empáfia, a soberba, a arrogância e passando a andar de calças curtas e descalços para serem capazes de molhar os pés no chafariz da praça ou na água da enxurrada.

As crianças, para as quais a vida é uma grande brincadeira, às vezes, são capazes de gestos de muita seriedade e grandeza. Já os adultos, que levam tudo a sério porque se acham sérios, geram miséria, fome, guerras que matam, o extermínio dos mais fracos, incêndios que queimam e banqueiros que levam países inteiros à bancarrota…

Ainda segundo Rubem, “nós, os adultos, porque nos levamos a sério, somos entidades enrijecidas, duras, solidificadas, incapazes de rir o riso que derrete as pedras, incapazes de novos começos. As crianças são basicamente isto: a permanente disponibilidade para começar de novo”.

Os adultos têm grande dificuldade para entender as coisas. As crianças, não. As crianças são mais inteligentes porque tem a inteligência do coração – como acaba de demonstrar o pequeno torcedor da seleção portuguesa de futebol.

P.S. – Agora já se sabe que o menino chama-se Mathis, tem 10 anos e disse ao inconformado torcedor francês que aquilo fora “apenas um jogo” e que “um segundo lugar não era ruim”.

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