6:55Estética

por Delfim Netto

Vamos combinar. Michel Temer introjetou que, mesmo na interinidade, representa a instituição “Presidência” e tem se comportado de acordo com tal princípio. A situação alternativa — supor-se “interino” e “esperar para ver” — apenas aumentaria ainda mais o caos em que estamos metidos. Convicto de que não há grandes divergências sobre o diagnóstico adequado do problema que nos assombra e de que não há escassez de talentos para resolvê-lo, construiu, habilmente, uma espécie de parlamentarismo de ocasião para dar o necessário suporte político às medidas corretivas, o que até agora parece estar dando certo.

O conhecimento acumulado de como funciona, concretamente, o sistema econômico imerso na sociedade em que vivemos e a possibilidade de acomodá-lo às nossas necessidades depende da nossa capacidade de manipulação adequada das variáveis à nossa disposição. Ocorre que, sem o poder político para implementá-la, a mais sofisticada política econômica, mesmo informada pela mais fina teoria, terá, apenas, um valor estético!

É por isso que Temer começou pelo começo. Organizou uma maioria política e escolheu uma equipe econômica tecnicamente bem preparada, experiente e expedita. Apresentou um programa crível para a recuperação da economia (que levará alguns anos). Tão logo seja aprovada no Congresso a proposta da emenda constitucional que estabelece o teto das despesas públicas de cada ano, o país estará pronto para continuar a avançar com outras medidas (aposentadoria, vinculações, desindexação do salário mínimo, maior liberdade de negociação salarial etc.) que aumentarão a credibilidade do programa. A meta de deficit primário de R$ 139 bilhões para 2017 (contra os R$ 170,5 bilhões de 2016), declarada na semana passada, foi entendida como um esforço realista adequado pela maioria dos analistas.

Foi mal recebida por alguns: os que ignoram que a essência do exercício da política é reconhecer que sempre existe o “outro lado”. A “realpolitik” é entender o que ele realmente quer (não o que diz querer) e negociar sem comprometer o objetivo principal. Os que a criticaram são, de um lado, “principistas” ingênuos (creem-se amparados numa “ciência”. Logo, não há o que negociar!) e, de outro, a esquerda “infantil” (que sempre ignorou as restrições físicas). No fundo, no fundo, são ambos opositores enrustidos do exercício da democracia sem adjetivos…

Com todos os seus problemas, é inegável que a Constituição de 1988 colocou o Brasil num outro patamar político e permitiu claros avanços no gozo da liberdade individual, na inclusão social e no aumento da igualdade de oportunidades. Não devemos jogar fora a criança juntamente com a água do banho..

*Publicado na Folha de S.Paulo

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