8:36Aberta a temporada de caça aos “Marajás” !

por Dirceu Pio

Aberta a temporada de caça aos Marajás” !

Os brasileiros detestam Marajás ! E de vez em quando  se apaixonam por um Caçador de Marajás.

Já botaram um deles na presidência da República e  quebraram a cara, assustadoramente !

Inflação em alta, economia em desarranjo; crença nos políticos e nas instituições democráticas em baixa. Pronto ! Temos aí o cenário mais propício ao aparecimento de novas e agudas paixões pelos caçadores de Marajás.

É triste, mas temos de botar novamente as barbas de molho: nesse cenário em que tudo foi potencializado—inflação novamente em alta, desemprego, recessão econômica, políticos enlameados pela corrupção, instituições democráticas abaladas pelas mesmas causas—só por milagre escaparemos de um novo Collor de Mello !

Muitos e muitos deles já estão em aquecimento. Surgem de norte a sul do Brasil. Afinarão o discurso nas campanhas municipais e os que forem aprovados… Ah, os que forem aprovados tentarão voos mais altos. É gente ousada, sabe onde pisa e não se contenta com carguinhos…Geralmente, miram o topo, as instâncias mais altas, os “píncaros”…

Quem tinha 18 anos ou mais em 1989 sabe de quem falo: foi nesse ano que o Brasil elegeu o seu primeiro Caçador de Marajás—Fernando Collor de Mello, um espertalhão de Alagoas, já calejado nas malandragens da política, que se apresentou aos eleitores como um  garotão inexperiente, puro, um mosqueteiro do bem com juventude e coragem para perfurar o coração de todos os marajás com sua espada impiedosa. E os brasileiros o engoliram gulosos.

Com apenas 39 anos, obteve uma votação esmagadora, tomou posse e começou a governar  sem ter dado um sorriso, um único sorriso de satisfação, de alegria, de agradecimento aos eleitores.
Não foi difícil descobrir, portanto,  que o Brasil embarcara numa canoa furada, que o Brasil elegera um farsante.

REDES SOCIAIS

Hoje, temos as redes sociais, um termômetro extraordinário para identificarmos se a temporada de caça aos Marajás já foi aberta e, se ainda não foi, quando será. Acho que ela já foi aberta nesta virada de semestre !

Eu frequento o Facebook. E estou estarrecido com a quantidade de manifestos e textos que clamam pela volta dos militares ao poder. “Só os militares conseguirão acabar com esse mar de corrupção !”, bradam as vozes que saem do Facebook.

As vozes que clamam pela volta dos militares são as mesmas que ajudarão a eleger, outra vez, um  Caçador de Marajás. Elegerão o discurso autoritário e demagógico. São pessoas que não sabem enxergar o cafetão de gravata  escondido atrás do capitão de fragata.

As redes sociais que  mobilizam multidões para as manifestações de rua servem também, hoje, para propagar preconceitos, tolices,ódios fascistóides, imbecilidades perigosas como essa, de que os militares servem para combater a corrupção.

Eles, os militares, tomaram o poder à força a 1º de abril de 1964 e ao voltar para os quartéis 20 anos depois, largaram para trás um país abalado, censurado, torturado, impregnado de  muita corrupção, desmandos e truculências. Só os tolos e desinformados podem enxergar alguma vantagem em sua volta.

As mesmas redes que servem para mobilizar e espalhar o ódio, servem também para democratizar a informação, de modo que esse movimento pela volta dos militares e em favor de mais um caçador de marajás no poder é sinônimo de estupidez, nada mais que isso. Quem pode buscar a informação e não a busca é um estúpido !

Quem tiver alguma dúvida, pesquise no Google por: “Casos de corrupção no regime militar”.  Façam o teste e verão. Têm ali casos de corrupção à escolher, do começo ao fim da  ditadura militar.

AQUELE SIM, FOI GOLPE !


Vice de Tancredo Neves, o maranhense José Sarney precisou de longos e trágicos cinco anos para deixar o país em frangalhos !

Aplicou dois planos heterodoxos para matar a inflação e quase consegue matar os brasileiros; a inflação mesmo continuou em ritmo galopante.

Foi ele, Sarney, que criou o clima para a eleição do caçador de Marajás, Fernando Collor de Melo; Collor já havia sido prefeito de Maceió, governador de Alagoas e deputado federal. Seu primeira e única iniciativa   como deputado foi um projeto de lei que estabelecia isenção de impostos para empresas de comunicação (sua família já era dona da maior empresa de comunicação de Alagoas).

Apresentou-se ao país como um iniciante na política, “sem vícios e sem defeitos”, um jovem honesto, correto e intrépido. Amiguinhos da imprensa contribuíram com ele oferecendo-lhe a ideia de sintetizar numa frase tudo o que o eleitor buscava naquelas eleições, a primeira pelo voto direto desde 1964:

– Apresente-se ao país como o “Caçador de Marajás” !, teriam  aconselhado os jornalistas Augusto Nunes e Ricardo Setti, então  diretores da sucursal do Jornal do Brasil em São Paulo.

Eu trabalhava nessa época, durante a campanha de Collor, na Agência Estado, sob a batuta do jornalista Rodrigo Lara Mesquita. Ele me trouxera de Curitiba para coordenar, pela Agência, a cobertura das eleições presidenciais (1989).

Pessoalmente, no primeiro turno, eu torcia por Leonel Brizola, pois  achava que este seria o único candidato capaz de deter o furacão alagoano. O eleitor, contudo, não pensou assim: mandou para o segundo turno Collor e Lula. O furacão já avia soprado para bem longe Mário Covas e Paulo Maluf.

  Uma onda de boatos rondava a candidatura de Collor.  Dizia-se tudo sobre ele: que havia participado do assassinato da garota Ana Lídia, em Brasília; que havia depredado a boate do Hotel Eron, também em Brasília; que havia feito um acordo “escandaloso”, enquanto governador, com os usineiros de Alagoas; que introduzira o tráfico de cocaína em Alagoas, etc. etc. etc.

Eu propus e Rodrigo Mesquita aceitou de bate-pronto que a Agência fizesse um levantamento completo sobre tudo o que se dizia  de Collor até para que os jornais da Casa—Estadão e Jornal da Tarde—tivessem condições de separar o falso do verdadeiro naquela nuvem de fatos e versões que acompanhava o candidato do PRN. “Monte a equipe e coordene o levantamento”, determinou Rodrigo.

Assumi a missão com entusiasmo, pois imaginava que se boa parte dos boatos se confirmasse e os jornais da casa publicassem, conseguiríamos barrar a candidatura do Caçador de Marajás. Escalei grandes repórteres da rede de jornalistas da Agência, entre os quais o baiano Carlos Navarro e o jundiaiense  Flávio Gut, produzimos um  vasto material que foi oferecido aos jornais da Casa.

Dos boatos, quase tudo se confirmou, exceção da comentada participação no assassinato da menina Ana Lídia, perpetrado por seus amigos “jovenzinhos brasilienses”. Descobrimos que Collor sabia que a garota havia sido sequestrada em Brasília e levada para um ponto ermo dos cerrados, onde ficou amarrada a uma árvore por vários dias enquanto  seus algozes  iam e vinham da cidade apenas para torturá-la e seviciá-la até à morte. Ele não denunciou, mas não participou do crime…

Confirmamos seu acordo escandaloso com os usineiros de Alagoas (Collor governador perdoou dívidas de ICM e, em troca, os usineiros lhe passaram dinheiro gordo para a campanha presidencial que aconteceria dali a dois anos); confirmamos a depredação da boate do Hotel Eron; confirmamos sua relação de compadre com um traficante ligado ao Cartel de Cali e que introduziu cocaína em Alagoas, etc. etc. etc.
O plano da Agência Estado não se consumou porque o Estadão, então comandado por Augusto Nunes, se recusou a publicar o que chamamos de “Dossiê Collor”, mesma atitude tomada pelo Jornal da Tarde.

O editor de política do Estadão, Laurentino Gomes, recebeu e aplaudiu o “Dossiê”. Ficou tão frustrado quanto nós da Agência pela censura; quando perdemos a esperança de publicá-lo, fez chegar, com meu apoio, o levantamento a Lula, pelas mãos de Gilberto Carvalho.
Lula levou o dossiê para seu último debate com Collor. Estava tudo em cima de sua tribuna, na mesma pasta cor-de-rosa que lhe encaminhamos, mas não conseguiu usar nada, intimidado que foi pelo veemente Caçador de Marajás.

No começo da campanha, Collor viajou a São Paulo para contatos com jornalistas; uma das redações que visitou foi a da Sucursal do Jornal do Brasil na cidade. Ali estavam a sua espera os ilustres diretores da Sucursal, Augusto Nunes e Ricardo  Setti.
Collor concedeu-lhes uma longa entrevista publicada em duas páginas do JB: foi a primeira vez que a expressão “Caçador de Marajás” foi usada pela mídia.

Collor veio armado de  Alagoas: trouxe e entregou a Nunes e a Setti uma lista de uns vinte “Marajás” que disse existir no governo de Alagoas e na prefeitura de Maceió– nomes e respectivos salários mais a promessa do candidato de que estes seriam os primeiros a ser abatidos caso se elegesse.

Enviei a relação para Carlos Navarro, já instalado em Maceió, e não demorou para que ele me enviasse a resposta, espantosa: a lista era falsa, os salários inflados em 2.000 por cento; os maiores salários de Alagoas eram de pessoas que o próprio Collor nomeara, como prefeito e depois como governador, mas ainda assim muito aquém do valor que poderia ser descrito como salário de Marajá.

A lista foi publicada com destaque na mesma entrevista assinada pelos dois eméritos jornalistas que não se dignaram a dar um só telefonema para Alagoas para checar a relação.

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4 ideias sobre “Aberta a temporada de caça aos “Marajás” !

  1. Deonilson

    Grande Pio! O Augusto Nunes nós sabemos, é moeda de três cents. Fico um pouco surpreso com Setti
    O Pio deveria escrever uma Memória desta época, ainda que fosse apenas peço que viveu nos bastidores dos grandes jornais, como o Estadao, onde sempre trabalhou, e depois na Gazeta Mercantil. Fica a sugestão.Tem um dos melhores textos da imprensa,junto com Laurentino Gomes,que foi sua cria.

  2. Ivan Schmidt

    A sugestão do Deonilson para um livro do Pio sobre os bastidores da eleição de Collor à presidência da República é 100% oportuna. Aí estaria um verdadeiro “depoimento para a história” desse desafortunado país…

  3. TOLEDO

    Uma dúvida ? Já existia a Rede Globo na época ? Pela sua narrativa ou não existia ou estavam fora do ar. Outra dúvida, esse Augusto Nunes é o mesmo Coxinha da TV Cultura e da Veja ?

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