11:14Na linha Jardim Social/Batel

por Sergio Brandão

Foi a partir do ponto da Carlos Gomes. Ônibus parado, a espera de mais passageiros, fazendo horário. Da porta, uma moça grita: “Alguém pode passar o cartão pra mim? Pago em dinheiro!”

Lá da frente, logo dos primeiros bancos, uma senhora se candidata. Passa seu cartão de isento. A moça entra e, na passagem pela senhora, mete a mão na bolsa e entrega uma nota de 2 reais. A senhora olha pra nota, senta lentamente e comenta algo com seu companheiro, que estava ao lado. Ainda falam mais alguma coisa que não consigo ouvir. Mais uns segundos, decidida, ela se levanta e diz pra moça que ainda falta um real e 70 centavos. Um outro senhor, também sentado lá na frente, compra a briga da senhora.

“Tentando enganar idoso, é? Fala isso se virando pra moça que entrou sem pagar.

A moça se levanta e, já metendo a mão na bolsa, procurando algo, diz: “estou procurando minha carteira”. Depois, vai até a senhora, mas já xingando o senhor que se meteu na história.

A partir dali, a moça e o senhor primeiro trocam alguns elogios leves. Ele se mantém sentado e ela de pé dando de dedo, enquanto com a outra mão ainda procura mais dinheiro na bolsa para pagar o resto da dívida com a idosa.

Lá na frente, com os elogios já esquentando, compondo a cena, o motorista, que segue da mesma forma que estava quando entrei no ônibus: com os pés no painel, descansando como se nada além do seu cotidiano estivesse ali.

Depois de uns bons minutos, a moça finalmente acha um real e 70 centavos e entrega para a senhora. Se enche novamente de razão e volta a xingar o homem. Ele finalmente se levanta e ameaça ela de agressão. Ela desafia, dizendo que ele não era homem para fazer aquilo – e diz isso encarando ele. Me preparo para apartar. Não foi preciso. O motorista foi mais rápido, arrancando o ônibus. O homem quase cai e antes que vá para o chão volta e se sentar no mesmo lugar de onde saiu.

A plateia aprecia o movimento lá fora, como se os carros da rua e as pessoas fossem mais interessantes do que aquela cena.

Uns pontos adiante, a moça se levanta e se dirige até a porta. Aperta a campainha e espera o ônibus parar. Enquanto isso segue xingando ainda mais umas três vezes o senhor. Ele sem olhar para trás, devolve com muitos outros elogios também.

A cena fica engraçada, porque eles não se olham mais, estão quase de costas um para outro, mas continuam com os elogios.

Ela desce e segue lhe atribuindo uma série de qualidades.

Já com o ônibus em movimento, indo embora, a porta já fechada , o senhor se levanta enfurecido, abrindo o primeiro vidro que encontra, dando a impressão que se jogaria para fora, e, muito decidido e colocando a cabeça pra fora ainda consegue gritar o último elogio. O carro segue, ele fecha o vidro, suspira fundo, com ares de alívio, para finalmente se sentar com pose de quem estava começando seu dia a partir dali.

E todos os lados estavam sem razão. Da moça que entrou no ônibus tentando dar um pequeno golpe, ou não, da senhorinha que ganhou um troquinho vendendo um crédito do seu cartão de isento e do senhor que se meteu na história.

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Uma ideia sobre “Na linha Jardim Social/Batel

  1. Zé Ninguém

    E tem gente que morre de peninha de gente velha, ela errou bem mais do que a moça que, safadamente também queria se dar bem. Gente safada é o que há e muito em Curitiba.

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