11:39Picilones demais

por Ruy Castro

O “New York Times”, aproveitando o nosso ano olímpico, conferiu ao Brasil a “medalha de ouro da corrupção”. Referia-se ao primeiro ministério armado por Michel Temer, cheio de políticos suspeitos e na mira da Lava Jato. Poderia ter-se referido também aos ministérios dos governos anteriores, que, em nome da ideologia, elevaram a ciência da corrupção à categoria de arte e deixaram um buraco do qual o Brasil custará a sair.

Nada de novo na acusação. A ideia de que, aos olhos de fora, somos um país corrupto vem de longe. Caiu-me ontem às mãos uma de 1902, em que o Brasil já era tachado por empresários ingleses do setor ferroviário como “o país mais corrupto do mundo”. E com a concordância do jornalista Edmundo Bittencourt, fundador e redator-chefe do “Correio da Manhã”, implacável acusador das “ladroeiras, devassidões, traficâncias e ignóbeis misérias” do então presidente Campos Salles, para ele o “mais impudente e corrupto que a República já conhecera”.

Por seu jornal, Edmundo chamava os políticos de “finório”, “sacripanta”, “salaz”, “tratante”, “desbriado”, “frangalhoteiro”, “bibelô de salão” e “cloaca de Aretino”, além dos tradicionais e quase ternos “larápio”, “gatuno”, “vigarista”, “canalha abjeto”, “vagabundo pensionista do Tesouro” e “pústula feito homem”. Seus insultos deviam conter alguma verdade porque, em resposta, os insultados apenas mandavam surrá-lo, sem apelar para a Justiça — não queriam se arriscar.

Aprendi sobre isto nos magníficos trechos que já li antecipadamente do livro “Réquiem para um Leão Indomado”, a história do “Correio da Manhã” (1901-1974), que o jornalista Fuad Atala está finalizando e vai entregar à editora Record.

A imprensa de hoje não comporta os picilones de Edmundo Bittencourt. Pena, porque eles continuam atuais como nunca.

*Publicado na Folha de S.Paulo

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