19:23ZÉ DA SILVA

Ele descobriu porque a coisa não andava. Era o banho. Baixava a temperatura para perto do zero e ele abria um sorriso que ninguém entendia. Todo mundo encriquilhado, tremendo, mesmo com todos os agasalhos, e ele empinado, sorrindo e aloprado de felicidade. A fórmula: em dia de geada, acordava antes de o sol nascer, ia para o quintal, abria a torneira e tomava banho de mangueira. Nu, porque o local era protegido. Cantava baixinho, principalmente aquelas do Agnaldo Timóteo que ele adorava e sabia de cor as letras. Depois, se enxugava, colocava uma cuequinha que ficava embaixo da primeira dobra da barriga e ia inspecionar o quintal lá na frente, para espanto das domésticas que se dirigiam para as casas vizinhas. Quando contava essa vantagem, parentes e amigos diziam que estava mais doido, mesmo porque só tomavam banho quente, pelando. Ele ficava indignado e alertava que era por esse motivo que o país não se desenvolvia. Um dia extrapolou e ficou tão feliz com aquela água gelada que fazia até doer a cabeça, que saiu dali direto para a rua, pelado. Deu azar que era vizinho de um coronel que também levantava cedo. Foi preso. Saiu sob fiança – e reclamando: “Não se pode ser feliz nessa terra!”

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