12:31A guilhotina e a Lava Jato

por Ivan Schmidt

Como dizia Salomão, o homem mais sábio do Oriente segundo a tradição judaica, nada há de novo debaixo do sol. Tudo como dantes no quartel de Abrantes confirma o adágio de origem lusitana. Nada do que é humano me surpreende, proclamava um pensador das calendas.

E assim é, sem tirar nem por, quando verificamos com inegável perplexidade (pelo menos essa capacidade ainda conservamos), a mistura de matizes que adorna a crise brasileira.

Que nem mais sabemos ao certo se é mesmo uma crise, ou já se transformou numa pantomima ou ópera bufa, sem o menor menoscabo a um e outro gênero da enorme variedade das diversões populares.

Dia desses o procurador geral da República, Rodrigo Janot, que não confirma e nem desmente, enviou expediente ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a prisão do ex-presidente José Sarney (domiciliar em face da idade provecta), do senador Renan Calheiros, presidente do Senado, do senador Romero Jucá e do deputado Eduardo Cunha, presidente afastado da Câmara dos Deputados. A saber, alguns dos homens mais importantes na hierarquia dos poderes constituídos.

O ministro Gilmar Mendes, do STF, verberou sua indignação pelo que considerou “vazamento” da informação divulgada em primeira mão pelo o jornal O Globo e, em seguida pela Rede Globo de Televisão, argumentando que o pedido deveria ser analisado em segredo de Justiça pela alta corte. Um imbróglio daqueles!

O traço comum entre os cidadãos arrolados pelo procurador Rodrigo Janot, como se noticiou amplamente e passíveis de uma estadia nas dependências carcerárias da Polícia Federal (com exceção do macróbio José Ribamar da Costa) é a condição de morubixabas do PMDB, de repente, o partido convocado a substituir o PT na chefia interina do governo brasileiro.

E mais, Renan e Cunha presidem as duas casas do Congresso Nacional, com a agravante do parlamentar fluminense ter sido afastado do cargo pelo voto unânime dos ministros do Supremo, diante da quantidade de evidências de sua má conduta na vida pública, para usar luvas de pelica.

Além disso, Cunha mantém autêntico jogo de gato e rato no âmbito do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara, que instaurou processo para a cassação de seu mandato, sob a acusação de ter mentido a uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ao garantir não ter dinheiro depositado em bancos suíços.

Contudo, para a infelicidade geral da nação, o respectivo conselho vê-se irremediávelmente tolhido pelos infindáveis e marotos recursos contidos no Regimento Interno da própria Câmara, facilitando à aguerrida tropilha de Cunha o adiamento esquizofrênico da votação final do parecer do relator.

O problema é que autoridades suíças confirmam a existência de contas em mais de um banco da federação helvética, e que a grana está lá bem guardadinha… Tanto é verdade que a mulher de Cunha, ex-apresentadora da Globo, Claudia Cruz, admitiu gastos no exterior em artigos de luxo pagos com cartões de crédito emitidos pelos respectivos bancos, e com a permissão do titular, ou seja, o personagem citado como Caranquejo (ele anda meio de lado como o crustáceo), nas listas dos abonados pelo inesgotável propinoduto irrigado com dinheiro público.

Outro ponto comum entre os virtuais prisioneiros é que seus nomes aparecem nos cartapácios da operação Lava Jato, sendo a única novidade a citação do ex-presidente José Sarney, graças à feição tardia de Joaquim Silvério dos Reis, o Calabar, assumida por Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, subsidiária da Petrobras, para a qual foi indicado pela cúpula do… PMDB!

Machado soube corresponder à altura o desvelo demonstrado pelos companheiros do partido que o sustentaram por 12 anos na presidência da Transpetro (os dois mandatos de Lula até o início do primeiro mandato de Dilma).

Enrolado também na Lava Jato, para salvar dedos e anéis o também ex-senador Sérgio Machado, até então um amigo do peito dos caciques do PMDB, ocultamente gravou conversas com Romero Jucá, Renan Calheiros e José Sarney, nas quais o mínimo que se pode perceber é que a trinca somente poderia livrar o lombo se a Lava Jato fosse contida em seu ímpeto.

Salomão, Abrantes e o pensador medieval tinham toda a razão. Nada acontece de novo sob o sol. Especialmente se o assunto é corrupção. Foi assim também durante a Revolução Francesa, mormente no período que os historiadores denominaram de Terror.

O jornalista e historiógrafo francês, Olivier Blanc, pesquisou extensamente os documentos depositados em arquivos públicos e privados de seu país, relativos ao período 1792-1794, fez descobertas reveladoras registrando-as no livro A corrupção na época do terror (Editora Ática, SP, 1994).

Um dos personagens citados é Omer Talon, que aparece em meio a uma profusão de nomes famosos ou totalmente desconhecidos. Gravitando em torno de Breteuil, Necker, La Fayette e Mirabeau, Talon deixou-se atrair pela volúpia do dinheiro, e assim “obteria mais tarde de Danton um passaporte que lhe permitiria deixar a França, não sem levar consigo 18 mil luíses de ouro sacados do caixa de Saint-Foy, com o qual esteve muitas vezes associado e também levava uma vida irregular”.

Robespierre, uma das figuras mais polêmicas do Terror, que modernos historiadores consideram profundamente ambíguo proclamou certa ocasião: “As grandes riquezas corrompem tanto os que as possuem quanto os que as invejam. Como as grandes riquezas, a virtude cai em desgraça. O próprio talento, nos países corrompidos pelo luxo, é considerado menos como um meio de servir a pátria, que como forma de fazer fortuna”.

Em dezembro de 1791, Saint-Foy teria proposto dar dinheiro a Brissot, Isnard, Vergniaud, Guadet e ao abade Fauchet, que segundo Blanc “aceitaram vender sua voz e sua influência na Assembleia à razão de seis mil libras de Tours por mês para cada um”, para impedir (ou retardar) a deposição do rei.

Atos heroicos vindos do populacho, traições e vinganças entre nobres e convivas das festas exuberantes de Versalhes, além dos financiadores da Corte, as profundas desavenças entre os próprios revolucionários, todos imantados pelos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade e uma corrupção sem medidas, formam o pano de fundo dessa insurreição que entronizou pela primeira vez na história os direitos humanos.

Como a guilhotina foi o símbolo máximo do Terror, a Lava Jato é a espada de Dâmocles pendente sobre a cabeça dos corruptos de Pindorama.

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Uma ideia sobre “A guilhotina e a Lava Jato

  1. Solda

    Ou, como diria James Brown, segundo a tradição musical, não há nada de novo debaixo do “soul”.
    Perdão, Ivan, se não for divertido não tem graça.

    Em Brasília, só sofismas e falácias.
    Millôr estava certo: as leis foram criadas para burlar a Justiça, não é Eduardo Cunha, querido filho de
    Dona Elza e marido da, agora é, Cláudia Cruz?

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