20:23Guarda-roupa no tempo

Do blog Cabeça de Pedra

Ele nunca comprou fiado. Nunca teve conta em banco. Nunca teve teve telefone ou carro. Mesmo sem saber, talvez seu maior tesouro, além dos filhos, era o primeiro guarda-roupa. Operário, juntou o dinheirinho que sobrava do salário. Isso durou meses. Comprou o tal que olhou um dia na loja de móveis do bairro – e decidiu. É bonito o três portas com espelho e três gavetas. Suas linhas são arredondadas, os pegadores têm estilo, a madeira maciça resistente. Este móvel guarda os segredos do quarto do dono com a sua única companheira durante anos. Só saiu do lugar duas vezes. A primeira para ir da meia-água dos fundos, alugada, para a casa própria. A segunda para dali  viajar milhares de quilômetros no retorno dos dois à cidade de origem. Eles morreram faz tempo. O guarda-roupa continua lá, depois de sessenta anos. Dentro, algumas roupas do casal, que um dos filhos não quis se desfazer. Mas o móvel está morrendo. Comido. Logo será destruído, queimado. Durou muito, serviu muito bem a quem o comprou e, no fim, ainda alimentou gerações de cupins.

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