21:26Garimpo

Do blog Cabeça de Pedra

Tenho todos os dentes de ouro. Mais nada. Quando morrer, sei que vão profanar o meu túmulo para arrancá-los com alicate. O que me importa? Cremação, não! O metal precioso nas arcadas foi o que me restou do tempo em que vivi metido no grande buraco. Serra Pelada. Vida de bicho na lama. Lei do cão. Mulher só em puteiro – e de vez em quando. Uma grande pepita por uma trepada. Fila de gente fedida. Era escravo do dono do pedaço de terra. Tentei roubar uma coisa grande. Foi o começo do meu fim. Antes vi o show de uma chacrete que nem lembro o nome. Rabo pra cá, rabo pra lá. Foi a melhor coisa naquele inferno. Agora padeço num barraco de subúrbio da grande cidade. Nem foto tenho daquele tempo. O povo daqui só acredita por causa dos dentes. Já ouvi conversa que querem adiantar meu funeral. Mas neste terreiro ninguém entra. Ainda tenho a 12 de cano serrado. A bandidagem sabe disso. Vão esperar a morte natural. Ela não vai demorar. Enquanto isso, sorrio para mim mesmo no espelhinho vagabundo do banheiro. É o que me resta.

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Uma ideia sobre “Garimpo

  1. Sergio Silvestre

    Legal.logo depois de uns anos que eu voltei da Africa,tinha um amigo aqui do Jurumenha em Londrina que começou com um aviãozinho em serra Pelada e conseguiu depois uma frota que transportava garimpeiros.
    Um dia zarpamos de londrina num mono motor para ir até Marabá e depois até um aeroporto que mais parecia uma picada no meio da floresta.
    Eu não tinha medo,pois já tinha muitas vezes saltado a esmo nas florastas de Angola,mas esse voo foi de arrepiar.
    O Zezão pilotando sem motor no meio da selva,e o aviãozinho tirando finas nas castanheiras até achar um descampado e aterrizar sem um arranhão em ninguém.
    Era a terceira queda do Zezão que não sobreviveu a quarta e hoje esta sepultado no rio são domingos onde acharam os destroços,menos seu corpo que pode ter sido devorado,pois o rio é o mais piscoso do mundo pela quantidade de peixes.
    A quinze dias fui pescar nesse rio e me parece que o amigo ainda ali está,grudado num galho da beira do rebojo,ou numa corredeira agarrado numa pedra.
    Devo ter muita sorte,ou azar,o meu amigo Zezão deve estar com as criaturas extraordinárias das florestas,já que era um piloto pratico destemido.Poie é,tive bons amigos,bons.

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