20:05ZÉ DA SILVA

Arte dos encontros? Sequência de trombadas é a vida. No final fica aquele gosto amargo de que faltou alguma coisa. Foi isso que ele ouviu da tia, ela prevendo a hora da partida definitiva, mais de noventa anos, caminho feito de trabalho e dedicação aos filhos, netos e bisnetos. No quarto só com a luz do abajur, ele segurando a mão direita dela, a confissão. Algumas fotos no álbum da família guardado ali perto mostram como era bonita. Uma, em especial, posando na frente da igreja velha de Nossa Senhora Aparecida, segurando no colo o filho mais velho. Agora, ali, a pele flácida, sem cor, os ossos frágeis, a lucidez se esvaindo… O que estamos fazendo aqui? O que não estamos fazendo aqui? Horas mais tarde, a correria, a morte no banco traseiro de um carro popular, toda cidade dormindo e as luzes iluminando o asfalto carcomido das ruas. Trombadas, trancos aguentados pela necessidade de… de… viver. O que será que ela pensou que deixou de fazer?

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