12:10Investigação sem solução

Da Folha de S.Paulo, em reportagem de Juliana Cossi

Investigação sobre mortes de sem-terra no PR encontra dificuldades

A determinação da Justiça para exumar corpos, o silêncio de testemunhas e relatos contraditórios resumem a dificuldade em encontrar explicação para o que aconteceu há quase um mês, quando seis policiais militares se encontraram com um grupo de sem-terra, num acampamento em Quedas do Iguaçu, no sudoeste do Paraná.

Após 128 tiros disparados, dois sem-terra morreram e outros dois ficaram feridos no episódio, ocorrido no dia 7 de abril. Tanto a Secretaria da Segurança Pública do Paraná, responsável pela PM, quanto membros do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) usaram a palavra “emboscada” para definir o que ocorreu, cada um dizendo-se vítima do outro.

Morreram na hora Vilmar Bordim, 44, e Leonir Bhorbak, 25, ambos casados, o último com a mulher grávida. Ficaram feridos Pedro Francelino, 34, e Henrique Gustavo Souza Pratti, 27. Nenhum PM foi atingido, tampouco os dois veículos policiais, mais afastados da cena.

Pela versão dos policiais, eles foram verificar uma área de incêndio quando os sem-terra se aproximaram em motos, numa caminhonete e num ônibus. Já pelo relato dos sem-terra, todos os disparos partiram da PM, e as motos, caminhonete e ônibus estavam a cerca de 20 metros deles -distantes, portanto, e não os cercando-, e que as pessoas se jogaram no mato para fugir dos tiros.

Dois dias depois do episódio, em um ato, o MST espalhou caixões para lembrar das vítimas de Quedas e dos 19 mortos em Eldorado dos Carajás, no Pará, em 1996.

Quem iniciou o conflito também é alvo de dúvida. Os sem-terra acusam os PMs de terem começado a disparar e os policiais dizem que os sem-terra atiraram primeiro.

Até mesmo um dos depoimentos à polícia, gravado em áudio e distribuído no dia seguinte à imprensa pelo governo estadual, é questionado pelo MST. Nele, Pedro Francelino, um dos acampados, diz à delegada Ana Karine Palodetto que “um engraçadinho [dos sem-terra] saiu pra fora atirando para cima e o policial revidou”.

O advogado dos sem-terra Claudemir Torrente afirma, porém, que Francelino lhe disse sequer lembrar que deu o depoimento e que estava sob efeito de medicamento quando foi ouvido.

Para o advogado, a versão que o cliente lhe apresentou é que ele apenas ouviu tiros, sem nada ver. A reportagem pediu telefones dos dois feridos, mas o advogado não informou, dizendo que o caso está ainda sob sigilo.

O outro ferido ouvido pela delegada deu explicações contraditórias. “Ele disse que quem começou o confronto foi a PM, mas também falou que não viu nada, só escutou os tiros e correu”, disse Palodetto. Já os seis policiais deram a mesma versão -disparos iniciados pelos sem-terra.

Quatro órgãos estão designados para apurar o que aconteceu. Além de um inquérito militar sobre a conduta policial, investigam o caso Polícia Civil e Ministério Público Estadual. A pedido do Ministério da Justiça, também a Polícia Federal apura o episódio, sob sigilo.

À Polícia Civil os acampados que testemunharam a cena ficaram em silêncio -segundo o advogado, “por não concordarem com a linha de investigação que tende a apoiar os PMs”. Já para a PF, segundo a delegada, os sem-terra disseram, sem detalhes, que a PM atirou primeiro.

Duas armas foram recolhidas, segundo a polícia, com os sem-terra. A defesa deles sustenta que nenhum tiro partiu dos acampados, e que mesmo as armas supostamente recolhidas com eles não tinham balas disparadas.

A reconstituição do crime deve acontecer na próxima quarta-feira (11). A Justiça autorizou ainda a exumação dos dois corpos -a suspeita dos sem-terra é que um projétil ainda ficou no corpo de uma das vítimas, e que o outro morto levou mais do que um tiro, como apontou o resultado necroscópico. O exame de balística nas armas recolhidas e na dos PMs ainda não foi concluído.

DÉCADAS DE LITÍGIO

A área em Quedas do Iguaçu é alvo de conflito agrário há pelo menos duas décadas. São cerca de 90 mil hectares em discussão, segundo o MST. Desses, 50 mil hectares já se tornaram oficialmente três assentamentos. Os demais são ainda questionados na Justiça e ocupados por dois acampamentos.

Na área em litígio funciona a Araupel, uma empresa de reflorestamento e exportação de madeira. Segundo a Araupel, foi feita nova proposta para o MST, para que montem acampamento em outra área na mesma fazenda, e os sem-terra devem em 15 dias analisar o pedido.

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