7:57Filosofia numa hora dessas?

por Ivan Schmidt

Em 1752 os notáveis pensadores franceses Diderot e d’Alembert lançaram o primeiro volume da Enciclopédia, que teve também entre seus colaboradores o não menos festejado Voltaire, que em 1764 escreveria sozinho seu famoso Dicionário Filosófico. Nesse momento conturbado vivido pelo país, nada mais indicado que recorrer a um filósofo e pinçar de sua extensa obra algumas reflexões abalizadas sobre valores e debilidades humanos, ainda hoje importantes para a boa convivência dos bípedes pensantes.

Caráter

A palavra grega é impressão, gravura. É o que em nós gravou a natureza. Podemos apagá-lo? Transcendental questão. Se tenho o nariz torto e olhos de gato, posso escondê-los sob uma máscara. Poderei encobrir melhor o caráter?

A idade amolenta o caráter. Transforma-o numa árvore que não dá senão um ou outro fruto abastardado, mas sempre da mesma natureza. Enodoa-se, cobre-se de musgo, caruncha. Jamais deixará de ser carvalho ou pereira, porém. Se fosse possível alterar o caráter, a gente mesmo o plasmaria a bel-prazer, seria senhor da natureza.

Consciência

O ser humano foi criado sem princípio algum, mas com a faculdade de receber todos. Seu temperamento poderá incliná-lo à crueldade ou à doçura. Seu entendimento o levará a compreender um dia que o quadrado de doze é cento e quarenta e quatro, que não se deve fazer aos outros aquilo que não se quer que lhe seja feito, porém não compreenderá por si mesmo estas verdades na sua infância.

Um selvagem ainda criança, estando com fome, receberá de seu pai um pedaço de outro selvagem. Pedirá o mesmo no dia seguinte, sem imaginar que se deve tratar o próximo do mesmo modo que nós mesmos queríamos ser tratados. Faz maquinalmente, insensivelmente, exatamente o contrário do que ensina essa verdade eterna.

Democracia

Na democracia, o grande vício não é certamente a tirania ou a crueldade. Houve republicanos montanheses, selvagens e ferozes, mas não foi o espírito republicano que os fez assim, mas a natureza. A América setentrional estava toda republicanizada e seus habitantes eram ursos.

A democracia parece apropriada mais a um país bem pequeno, e ainda é preciso que esteja situado favoravelmente. E por menor que seja, cometerá muitos erros porque será composta de homens. Qual num convento de monges, a discórdia reinará, mas não haverá nem noite de São Bartolomeu nem massacres da Irlanda, nem vésperas sicilianas nem inquisição, nem condenação às galés por ter pego água do mar sem pagar, a menos que se suponha uma república composta de diabos e jogada num canto do inferno.

Fanatismo

O fanatismo é para a superstição o que o delírio é para a febre, o que é a raiva para a cólera. Aquele que tem êxtases, visões, que considera os sonhos como realidades e as imaginações como profecias é um entusiasta; aquele que alimenta a sua loucura com a morte é um fanático.

O mais detestável exemplo de fanatismo é aquele dos burgueses de Paris que correram a assassinar, degolar, atirar pelas janelas, despedaçar, na noite de São Bartolomeu, seus concidadãos que não iam à missa.

Há fanáticos de sangue frio; são os juízes que condenam à morte aqueles cujo único crime é não pensar como eles; e esses juízes são tanto mais culpados, tanto mais merecedores da execração do gênero humano quando não estando tomados de um acesso de furor.

Não há outro remédio contra essa doença epidêmica senão o espírito filosófico que, progressivamente difundido, adoça enfim a índole dos homens, prevenindo os acessos do mal. Porque, desde que o mal fez alguns progressos, preciso fugir e esperar que o ar seja purificado. As leis e a religião não bastam contra a peste das almas. A religião, longe de ser para elas um alimento salutar, transforma-se em veneno nos cérebros infeccionados.

Justiça

Quem nos concedeu o sentimento de justiça e injustiça? Deus, que nos concedeu um cérebro e uma cabeça pensante. E quando é que a vossa razão vos diz que há vício ou virtude? Quando nos ensina que dois mais dois são quatro. Conhecimento inato não pode haver pela mesma razão por que não há árvore que traga folhas e frutos ao sair da terra. O que se chama inato nada é, ou seja, nada se desenvolve. Todavia, convém repeti-lo, Deus faz-nos nascer com órgãos, os quais, à medida que crescem, nos fazem sentir tudo o que nossa espécie deve sentir para a conservação dessa mesma espécie.

É evidente para todo mundo que um benefício se revela mais honesto que um ultraje, que a doença é preferível à exaltação.

Moral

Há somente uma moral, senhor Le Beau, assim como há somente uma geometria. Todavia, dir-me-ão, a maior parte dos homens ignora a geometria. É verdade. No entanto, desde que as pessoas se apliquem no seu estudo, todas se põem de acordo. Os agricultores, os operários, os artesãos nunca frequentaram cursos de moral. Tampouco leram osDe Finibus de Cícero, nem as Éticas de Aristóteles. Todavia, contanto que reflitam, são, sem o saberem, discípulos de Cícero. O tintureiro indiano, o pastor tártaro e o marujo inglês conhecem o justo e o injusto. Não foi Confúcio quem inventou um sistema de moral tal como se edifica um sistema de física. Foi no coração de todos os homens que encontrou a moral.

Pátria

Pátria é um conjunto de várias famílias; e, como se sustenta comumente a própria família por amor próprio, quando não se tem um interesse contrário, pelo mesmo amor próprio se sustenta sua cidade, ou sua aldeia que se chama pátria.

Quanto mais essa pátria se torna grande, menos é amada, porque o amor repartido se debilita, e é impossível amar enternecidamente uma família muito numerosa, que apenas se conhece. Aquele que se queima na ambição de edil, tribuno, pretor, cônsul, ditador, grita que ama sua pátria, e não ama senão a si próprio.

Em tempo: o Dicionário Filosófico de Voltaire foi publicado no Brasil pela Editora Martin Claret (SP, 2002), com a tradução de Pietro Nasseti. Pela transcrição agradeço.

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3 ideias sobre “Filosofia numa hora dessas?

  1. Sergio Silvestre

    Meu Deus de novo o voto do Celso De Mello,eu.Leandro e Toledo estamos super interessados na Noite de São Bartolomeu ,Diderot,Aristoteles e outros.

  2. TOLEDO

    Silvestre, joguei os betes. Eles não querem a Dilma, porque ela é honesta. Chega, encheu o saco esses coxinhas. Hoje voce pergunta para os curitibocas em quem votaram e não tem eleitor do Piá de Prédio. É que nem enterro de anão, ninguem nunca viu e nem foi. Na frente do escritório do Big Moro, lá na Av. Anita Garibaldi, tem barracas ( um circo armado) que vende adesivo da Lava Jato e Camisetas do Moro da Republica de Curitiba. Quem faz manequim vivo para os clientes coxinhas é o Leandro. Não dá mais, virou Zona.

  3. Sergio Silvestre

    Mae eu adoro o Cassio Cunha Lima,esse mar de probidade,os republicanos de Curitiba tambem.

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