17:54Sem controle

por Ruy Castro

No calçadão de Ipanema, o homem veio em zigue-zague na minha direção. Parecia um bebum de comédia, mas aquilo não tinha nada de engraçado -eram 9h da manhã e, pelo seu estado, o sujeito estava há meses na ativa. Como outros 24 milhões de brasileiros, não era um bebedor recreativo. Quando nos aproximamos, tentei calcular para que lado ele iria a fim de sair pelo outro. Mas ele fez o mesmo, e o resultado foi um “pas de deux” pastelão que durou vários segundos. Finalmente, quando nos resolvemos, ele passou por mim e exclamou: “Você tá mal, hein?”. Aquilo, sim, foi engraçado.

Pouco depois, ainda no calçadão, vi um garoto de cerca de 10 anos atracado a uma garrafa contendo o que poderia ser soda, éter, acetona, aguarrás, gasolina, benzina, removedor de tinta, cola de sapateiro, fluido de isqueiro ou cheirinho da loló – o que estivesse ao alcance de seu nariz ou boca. A poucos metros, sob as bênçãos de Bob Marley, vendedores de artesanato fumavam maconha com tranquilidade -o cheiro suplantava o da maresia.

Mais tarde, na rua Pedro Lessa, no centro, passei pela cracolândia na lateral da Biblioteca Nacional -a menor do Rio, mas suficiente para expulsar as barraquinhas de LPs e revistas antigas que funcionavam ali há décadas. E, pelo que ouço de amigos, já há toda uma geração prisioneira do Rivotril e outra, em formação, de Ritalina. Os médicos são liberais ao receitar estimulantes e depressores, mas pouco eficientes em retirá-los.

Fingimos não ver, mas, no Brasil, toda droga que puder ser fumada, bebida, inalada, engolida, aspirada, induzida ou injetada o será e continuará sendo, sem nenhum esforço notável de esclarecimento, prevenção, controle, tratamento e cura por parte das autoridades.

Quantos ministros da Saúde tivemos nos últimos anos? Na minha opinião, nenhum.

*Publicado na Folha de S.Paulo

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